Nos últimos dias não se fala de outra coisa senão da ostensiva, invasiva e inusitada propaganda do Governo para recauchutar uma imagem precocemente gasta por falta de cumprimento de compromissos eleitorais e por uma quebra generalizada na assunção das promessas de campanha.
Todos questionam o porquê desta saída do Governo, qual naufrago em mar revolto, a se socorrer da mais tenra e débil folha para se manter emerso numa situação de grande aflição, mas todos deduzem e cogitam que “kau sta mau”.
De facto só uma situação de desespero pode justificar esta decisão do Governo em lançar mão desta campanha primária de propaganda, que usa e abusa do sentimento das pessoas, explora as fragilidades de pais de família e atropela a dignidade de cidadãos humildes que não resistiram a tentações fáceis e a possibilidade de amealhar algo neste momento que a pressão das dificuldades fala mais alto.
Nunca se viu algo semelhante, fora das campanhas eleitorais e fora do âmbito dos tempos de antena destinados aos partidos, aí sim, espaços para os partidos exercerem a sua criatividade propagandística e o seu direito de seduzir.
O que estamos a registar são verdadeiros tempos de antena do Governo e do partido que o sustenta, fora do contexto próprio, à margem da lei, em violação dos princípios éticos e morais para além do assalto e usurpação dos espaços de antena nos órgãos públicos da comunicação social.
O PAICV acionou já as instâncias próprias com competência para dirimir este conflito e repor a legalidade e a normalidade no quadro das normas que regulam um Estado de Direito Democrático, mas esta questão mais de que uma questão legal ela é um questão eminentemente ética.
Numa democracia, embora imperfeita, mas fortemente reconhecida e altamente bem avaliada como a nossa, era impensável sermos confrontados com uma situação desta natureza que, seguramente, surpreende os organismos internacionais que aferem da qualidade das instituições democráticas nos diversos países.
Já ouvimos desculpas várias, cada uma mais descabida e mais absurda que a outra, e nenhuma delas convencem a mais ingénua e pura alma.
Dizer que o Governo está a reagir às críticas de que não sabe comunicar e que deve ofender as regras, os princípios e os valores elementares numa convivência saudável em democracia, é uma desculpa que para além de esfarrapara, fere o estado de sanidade mental das pessoas.
Dizer também que se faz assim porque os outros fizeram é de uma desonestidade sem limites porque, tanto quanto se conhece, nunca se utilizou das fragilidades das pessoas desta forma tão vil, tão descarada e tão despudorada.
Contudo, as razões e as motivação para esta ofensiva propagandística são do conhecimento de todos, a começar pela ineficácia e ineficiência da ação governativa, passando pela situação de dificuldade extrema por que passa a população e agravado ainda pela manifestação, quase que generalizada, de insatisfação das pessoas e todos os pontos do país.
O mais grave de toda esta deplorável situação é o autismo do Governo e da sua maioria, que quer continuar a mergulhar a cabeça na areia, ignorando tudo e todos e defendendo esta inqualificável ação de tentativa de enganar os cabo-verdianos, procurando, ao mesmo passo, convencê-los que o país vai bem e que a situação vivida, por cada um de nós, é boa, embora ninguém vislumbre esta bondade dos resultados da governação só percetível pelo partido do governo.
Quem analisa com atenção o conteúdo do produto propagandístico, produzido pelo Governo, facilmente compreende que as áreas visadas são precisamente as onde os resultados são mais débeis ou praticamente inexistentes.
Senão vejamos:
A formação profissional não conheceu novidades e se assentam em cima dos avultados investimentos feitos pela governação anterior chegando ao ponto de a própria propaganda repescar uma beneficiária das ações passadas, para confirmar o sucesso presente, o que deverá envergonhar a todos.
A área das infraestruturas a propaganda recai sobre uma estrada iniciada pelo PAICV em 2015 e inaugurado pelo atual Primeiro-Ministro em 2016 e o sujeito utilizado para o filme da propaganda vive num sítio cuja estrada ainda não chegou.
O abastecimento da água é criticado em todos os cantos do país e as pessoas não param de denunciar a insuficiência deste indispensável líquido, o seu preço e, nalguns casos, a sua duvidosa qualidade para o consumo.
O acesso a rendimento é um dos outros grandes problemas de famílias que se veem a braços para fazer face aos compromissos fundamentais, designadamente, da alimentação, da habitação, da educação e de outras necessidades básicas.
O emprego encontra-se estagnado absorvendo cada vez menos mão-de-obra e o não aparecimento de novas ofertas reduzem as esperanças, aumentam as frustrações e alimentam as desilusões.
As propinas escolares continuam a ser pagas por uma larga faixa de pais e encarregados de educação que se veem aflitos para conseguir os montantes cobrados principalmente quando se tem que enfrentar os efeitos de dois anos consecutivos de seca com todos os impactos na vida das pessoas.
Mesmo a segurança, tão enaltecida nos últimos tempos, não fica de fora quando há registos de assaltos todos os dias e quando o desaparecimento e assassinato de pessoas se multiplicam.
Todos sabemos que quer as promessas, quer os compromissos eleitorais, eram mais generosos quando fixavam que as propinas eram, pura e simplesmente banidas imediatamente.
Ao chegar ao poder as promessas deixaram de ser imediatas para serem do mandado, à semelhança de tantas outras promessas como ressalta a taxa de crescimento de 7% ao ano, que rapidamente se deslizou para a legislatura, se não for para a década, como se tem ensaiado nos últimos tempos.
A evacuação também é hoje explorada como um grande ganho quando se sabe que várias vidas foram ceifadas, por incúria ou por descaso e hoje nem sequer o avião, que tinha esta missão, se encontra no país, com um silêncio total das autoridades.
É no meio de tudo isso, que se preparou esta poção mágica para convencer a todos que o desemprego é uma ilusão, as dificuldades não são reais e que o sofrimento das pessoas é uma criação imaginária de uma oposição que não quer ver uma realidade tão virtuosa.
Se dúvidas houvesse, ontem ficaram dissipadas quando o secretário-geral do MPD, Miguel Monteiro, reconheceu que este Governo não tem obras porque no primeiro mandato não se fazem obras, chegando a meter o pé na argola quando quis estabelecer o paralelismo com o primeiro mandato da governação do PAICV.
Diz ele, na ânsia de prestar serviço, que o PAICV no seu primeiro mandato da década de 2000 não apresentou nem uma única obra. (aqui recuso-me a utilizas a expressão por ele usada).
Entretanto, como a verdade vem sempre ao de cima, as obras do início do primeiro mandato do PAICV estão aí para demonstrar que há muito desespero neste reino e que eventualmente o rei esteja mal trajado.
Só para refrescar a memória daqueles “que não eram mal nascidos”, como diz um dos nossos respeitáveis deputados, temos que lembrar da nova estrada do aeroporto com a avenida marginal da Praia, a asfaltagem do Mindelo, a infraestruturação da zona industrial de Lazareto, em S. Vicente, da asfaltagem da estrada Espargos Santa Maria, no Sal, do início da asfaltagem da estrada Praia/S. Catarina, só para citar algumas.
Há comparações que não devem ser feitas por serem infelizes, mas quando feitas acabam por nos revelar com quem estamos a lidar.
Para terminar dizemos, tão-somente, que estamos perante uma situação vergonhosa de um Governo aflito que quer fazer o milagre de convencer-nos que estamos todos felizes porque ele está a resolver os problemas.
Obrigado!
Praia, 30 de maio de 2019