Estamos, mais uma vez, a cumprir a Constituição e as demais Leis da República neste momento de apresentação e debate deste importante instrumento que é o Orçamento do Estado, documento que é suposto dar corpo às políticas do Governo consubstanciadas nas plataformas eleitorais, no Programa do Governo e em outros documentos estratégicos devidamente legitimados nos espaços próprios como o Parlamento, por exemplo.
O Governo trabalha com objetivos e metas e o Orçamento do Estado é o instrumento privilegiado para nos dar pistas e indicações, em que medida os objetivos e metas estão a ser perseguidos com sucessos.
As Contas do Estado seriam também um outro instrumento para complementar o Orçamento Estado na avaliação dos indicadores de implementação das políticas do Governo mas, com relação a este instrumento, os atrasos verificados e o facto de, até ao momento, ainda o Parlamento não ter apreciado nenhuma conta desta governação, nos impede avançar com um juízo mais rigoroso e mais pormenorizado sobre o mérito da utilização do recurso que é de todos os cabo-verdianos.
A grande verdade, que sobressai à vista de todos, é que o Governo tem tentado se desenvencilhar dos compromissos recentes, esquivando-se das metas, driblando os objetivos e ajeitando-se, comodamente, a outras metas fora do âmbito das promessas e dos compromissos.
Neste particular nem o Governo, nem a maioria que o suporta se sente, minimamente, incomodados com o desconversar e a anulação das ideias mais emblemáticas do próprio programa do Governo aprovado nesta Casa Parlamentar.
Quem não se lembra do ecoar da promessa de crescimento a sete por cento por ano, em todos os cantos do país, com veemência, com vigor e com a maior das convicções?
Esta promessa bandeira da campanha e ícone do Programa da legislatura, caiu por terra e no seu lugar vimos os festejos e as comemorações de metas muito menos ambiciosas de 3 ou 4 por cento, quando já por altura da aprovação do primeiro Orçamento, em 2016, já se tinha, como dado assente, um crescimento de 4%, fruto das condições criadas pela governação anterior.
O Governo nem sequer se dá ao lucho de dizer ao povo que falhou nas suas contas, todas feitas, vendidas a sete ventos e seladas em compromissos firmes e sérios.
Ao invés disso o Governo joga no cenário do esquecimento das pessoas e transforma, num primeiro momento, as metas anuais em metas para o final do mandato e, depois, num jogo de palavras e números, vende a todos que o crescimento de três ou quatro por cento é robusto e condizente com os compromissos eleitorais.
Aqui o Governo falhou redondamente e, se quer que seja considerado uma pessoa de bem, tem que aceitar o erro, confessar a sua falha e pedir desculpas aos cabo-verdianos.
Senhor Primeiro Ministro o Senhor que já nos habituou com algumas confissões, bem que podia aproveitar esta oportunidade de apresentação do seu quarto Orçamento para mais esta confissão que errou nas contas, que se calhar nem foram feitas por Vossa Excelência.
Quem já se esqueceu da promessa do aumento anual de vencimentos para repor o poder de compra das pessoas?
Este compromisso é mais um outro, do leque das contas todas feitas, que o vento levou e que foi parar num baú qualquer do esquecimento depositado, ninguém sabe a onde.
Para enganar os incautos, no quarto Orçamento do Estado, o Primeiro Ministro e o Governo tiram da cartola um aumento de 2,2% apenas para uma ínfima parte do pessoal da Administração Pública, cobrindo somente mil e tal funcionários num universo de cerca de vinte mil servidores do Estado.
Senhor Primeiro Ministro a conversa não era esta e o Senhor, um homem de boa memória, sabe que não era esta a proposta feita aos cabo-verdianos e nem era este o compromisso assumido com os eleitores.
Aqui também, tem que explicar-nos bem a razão desta desconversa e o desembaraçar deste compromisso. Se tiver justificações convincentes, pode crer que os cabo-verdianos irão compreender.
Quem apagou das suas memórias o número de nove mil empregos ou postos de trabalho decentes criados, anualmente?
Senhor Primeiro Ministro, neste quesito também as contas estavam todas elas feitas e as garantias foram firmes e pronunciadas com tanta convicção que todos acreditaram nelas.
O que terá passado? As contas estavam erradas ou os números foram chutados, à toa, apenas como engodo para caçar votos?
Esta também é uma oportunidade de ouro de confissão perante o povo que espera por esclarecimentos convincentes.
Esta é também uma grande oportunidade de falar a verdade aos cabo-verdianos e anunciar quais as metas reais e o que verdadeiramente podem esperar com este e com o último Orçamento que virá no próximo ano.
Quem se olvidou dos compromissos em torno da pensão social?
Senhor Primeiro Ministro com relação à pensão social já se ouviu muito e os compromissos/promessas foram abundantes. O último compromisso, já “recalibrado”, foi feito por Vossa Excelência, recentemente, se não me engano, por ocasião do debate sobre o Estado da Nação, com uma proposta bem concreta em como, para este orçamento que temos em pauta o montante iria situar-se em 7.500$00.
Depois, surpreendentemente e com toda a naturalidade, a cifra anterior caiu e o presente Orçamento fixa o aumento da pensão social de 5.000$00 para 6.000$00 e a pergunta que pode ser colocada é porquê que criou nessas pessoas desprotegidas e, em certa forma, desfavorecidas, falsas expectativas e defraudados sonhos?
Quem não se lembra do repetitivo e empolgante discurso de um Estado gordo porque tinha excesso de despesas?
Senhor Primeiro Ministro, todos nós estamos certos que ainda hoje vibra no tímpano das pessoas o som da narrativa em torno desta questão de gordura à mais do Estado e a esperança numa lipoaspiração bem-sucedida para nos livrar daquele fenómeno.
Tudo foi sol de pouca dura porque, entretanto, a chamada gordura continua a aumentar e os contornos da obesidade do Estado passa a ser indisfarçável, por mais roupagem que se lhe tenta impor.
Com efeito só para o orçamento do Estado de 2019 as despesas do funcionamento do Estado registaram um aumento de cerca de 11%, agravado com o facto de cerca de 82% do orçamento de funcionamento ser destinado para as despesas fixas do Estado.
A situação torna-se ainda mais grave porque torna-se cada vez mais evidente a falta de qualidade das despesas públicas.
Quem já se esqueceu das ofertas direcionadas diretamente para os jovens no sentido de mais emprego, mais formação e mais bolsas de estudo?
Senhor Primeiro Ministro, o Senhor tem uma grande dívida para com os jovens deste país que foram, literalmente, enganados em toda a linha e esperam até hoje a materialização de, pelo menos, uma pequena parte das promessas feitas.
Os jovens são as capacidades, as energias, os recursos de grande importância para qualquer país. Quem falha com eles, falha com uma nação inteira.
Quem não se lembra dos discursos e compromissos da antiga oposição em que para a água e a energia dever-se-ia ser retirado o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) para reduzir o preço desses fatores para aumentar a competitividade das empresas e diminuir o esforço e o custo de vida das famílias?
Hoje, no poder, a proposta é totalmente diferente, resumindo-se à tarifa social de água e energia que está bem longe do compromisso assumido que cobria todas as famílias e todas as empresas que utilizam água como fator de produção.
Aliás, o IVA era também para ser reduzido sobre o turismo e sobre a restauração para aumentar a competitividade do país, enquanto destino que concorre com outros destinos turísticos.
Quem em Cabo Verde não registou os seus compromissos da resolução imediata dos problemas dos TACV?
Este dossier é aquele onde o Governo mais meteu os pés pelas mãos e a solução apresentada é a que todos nós conhecemos com prejuízos avultados para a imagem do país, para credibilidade do Governo e para esta frágil economia destas ilhas.
Senhor Primeiro Ministro, eu poderia enumerar mais e mais metas e objetivos falhados por Vossa Excelência e pelo seu Governo, mas os mencionados parecem ser suficientes para demonstrar que o documento que temos entre mãos em análise padece de alguns pressupostos que, à partida, condicionam a confiança, minam a credibilidade e comprometem a esperança.
Quem falhou em tantos compromissos assumidos não está em condições de apresentar um orçamento, o quarto neste caso, que aumenta a confiança dos cabo-verdianos nas boas intenções do Executivo.
Quem violou todos estes pactos, não está em condições de apresentar um capital de credibilidade suficiente para suportar novas propostas.
Quem não cumpriu todos estes compromissos e defraudou as expetativas dos eleitores não pode alimentar a esperança das pessoas que desacreditaram na boa-fé do Governo.
Senhor Primeiro Ministro, os resultados da sua governação tem um grande saldo de aumento da pobreza, de proliferação de barracas e bairros degradados, de degradação das condições de vida das pessoas e de erosão dos indicadores de condição de vida das famílias.
Senhor Primeiro Ministro, vamos ao debate sério e responsável e não me venha dizer que todos já me conhecem e que com esta idade não mudo, como me disse ontem.
A minha não mudança tem um nome e este nome é coerência.
Seja também, pelo menos desta vez, coerente nos seus compromissos com os cabo-verdianos.
Obrigado
Praia, 29 de novembro de 2018
Rui Semedo