Cabo Verde elegeu, desde a independência nacional, a saúde como uma das principias áreas de intervenção do Estado com vista à geração do bem comum.
Cedo a população começou a colher os frutos dessa política, pois poucos anos depois os indicadores da saúde melhoraram consideravelmente, seguindo uma curva inequivocamente ascendente, atingindo patamares considerados excecionais para um pequeno país, arquipelágico e saheliano, com apenas 42 anos de vida como estado-nação independente, desprovido de recursos naturais.
A prioridade atribuída ao sector da saúde, tem tido tradução orçamental, pois é o segundo sector da governação em termos de afetação de recursos no âmbito do OE, sendo ultrapassado apenas pelo setor da educação, o que evidencia o esforço e o compromisso dos sucessivos governos da República em manter esse perfil de desempenho. Esta linha de coerência demonstra, claramente, que se trata de um sector em que o essencial das políticas tem reunido o consenso dos partidos políticos, independente de serem partidos do chamado “arco da governação” ou minoritários com representação parlamentar ou não. Todos os estudos de opinião permitem perceber também que toda a população cabo-verdiana não só apoia os esforços feitos na saúde, como reclama continuamente sempre mais e melhor saúde, equidade e justiça no acesso, para além da modernização das respostas para fazer face ao novo perfil epidemiológico.
A qualificação dos recursos humanos do sector foi entendida como prioritária e essencial desde a independência. Esforços não foram poupados e nos últimos 20 anos, tem-se investido seriamente na melhoria da saúde em todas as suas vertentes, apesar das fragilidades ainda prevalecentes.
O crescente investimento feito no sector foram determinantes para que o país atingisse as metas preconizadas pelo 5º ODM, relativo à saúde, o que rendeu a Cabo Verde o reconhecimento unanime dos parceiros de desenvolvimento e da comunidade internacional pela excelência dos resultados alcançados. Uma das áreas prioritárias, que tem merecido uma atenção particular do sistema de saúde é a saúde materno-infantil, com campanhas de vacinação de crianças, planeamento familiar, massificação de partos nas estruturas da saúde e com assistência de profissionais especializados, tornaram-se práticas correntes em Cabo Verde.
O facto de sermos um arquipélago, com escassez de recursos levou a que o Estado de CV, em cumprimento do previsto no Artº 71 da CR, que garante o direito à saúde a todos, estruturasse o sistema de saúde de forma hierarquizada, contando com Hospitais Centrais nas 2 principais Cidades que garantem serviços diferenciados, hospitais regionais, a par de uma vasta rede de infraestruturas secundárias que asseguram os cuidados básicos de saúde em todo o território nacional. Foi concebido um sistema de evacuações internas com vista a assegurar o acesso ao tratamento médico dos cidadãos das outras ilhas.
O ponto fraco desse sistema tem sido, de facto, a componente transporte, já que duas ilhas não dispõem ainda de aeroportos, os aeródromos nacionais não são iluminados e não facilitam a realização de voos aéreos e o país não conseguiu ainda adquirir meios aéreos e marítimos especializados, devidamente medicalizados para o translado de doentes evacuados em situação de emergência médica, nas melhores condições.
Ao longo da nossa história, era ponto assente que a TACV, Companhia de Bandeira Nacional, tinha no seu escopo a missão de transportar doentes evacuados, tanto em condições de normalidade como de emergência médica. A entrada em operações da Cabo Verde Express, pequena companhia privada a operar em regime de charter, a mobilização pontual do Dornier das Forças Armadas e de meios marítimos como o Guardião, baseado em São Vicente, permitiu ao país ir respondendo razoavelmente às necessidades de evacuação, ainda que com lacunas e falhas e sem o nível de conforto e qualidade almejado, nesta nova etapa de desenvolvimento do país. Ora, esse sistema funcionou, apesar das dificuldades, durante as últimas décadas. A qualquer cidadão cabo-verdiano residente em qualquer ilha do país era possível assegurar a evacuação para um dos hospitais centrais, sempre que necessário fosse.
O Estado criou mecanismos, através do INPS ou da Promoção Social, que lhe permitiram assegurar essa evacuação. A TACV, nunca negou transportar um paciente para Praia ou Mindelo e quando necessário atrasava voos à espera de doentes ou realizava voos extraordinários, pois tinha interiorizado essa responsabilidade na sua missão pública e enquanto instrumento de política de transportes entre as ilhas. Quando tal não era possível, recorria-se ao afretamento de aviões e aos outros meios referidos atras e aos meios marítimos licenciados para transporte de passageiro marítimo, no caso da Brava e Santo Antão, para socorrer as pessoas.
Até à retirada da TACV das linhas domésticas, todos os Governos de Cabo Verde, tiveram uma política para as evacuações, não permitindo que ninguém ficasse desamparado e abandonado à sua sorte.
De algum tempo a esta parte, ficou evidente a necessidade de se trabalhar no sentido de dotar o país de meios aéreos e marítimos especializados para integrar um serviço moderno de emergência médica e proteção civil, portanto há um consenso generalizado no país que se deve consentir os sacrifícios e empenhar os meios necessários e possíveis na estruturação desse serviço de emergência médica à altura das exigências atuais do país, aos níveis de exigência da nossa população e do turismo. Mas até termos essa nova resposta, não podemos tolerar retrocessos.
Nos últimos tempos, desde a saída da TACV das operações aéreas inter-ilhas, tem-se assistido a um franco e intolerável retrocesso no que tange à evacuação de doentes entre as ilhas. Transportar doentes entre as ilhas em embarcações de boca aberta começa a tornar-se rotina, com registo de casos graves com consequências fatais, refletindo claramente um recuo do sistema, com impacto negativo na saúde da população e na imagem do nosso país.
A atual Companhia Aérea, a operar no país em regime de monopólio de facto, e seguindo uma lógica meramente comercial, tem recusado sistematicamente a prestar esse serviço alegando falta de condições materiais para o fazer e afirmando categoricamente que só tem autorização da AAC para transporte de passageiros (entende-se saudáveis) e cargas.
O Governo tem reiterado que, de facto, a operadora doméstica atual opera de acordo com as regras do mercado, o que demonstra claramente que o Governo demitiu-se das suas responsabilidades aquando da retirada da TACV doméstico das operações internas, não precavendo um conjunto de necessidades e de responsabilidades do Estado num país arquipelágico e não considerando necessário regulamentar e estabelecer a Obrigação de Serviço Publico dos Transportes inter-ilhas, por forma a assegurar a prestação de serviços essenciais ao normal funcionamento do país.
Em nenhum momento cuidou de negociar uma cláusula que obrigasse a referida Companhia a prestar esse serviço de evacuação dos doentes entre as ilhas, sempre que necessário, enquanto o país não tiver de uma solução mais sofisticada.
Há aqui, portanto, uma afrontosa demissão do Governo da República das suas responsabilidades, pois é o Governo que tem a obrigação de definir: neste caso, uma política de emergência médica e encontrar os meios para a sua operacionalização; é o Governo que tem a responsabilidade de definir uma política de transportes entre as ilhas que atenda às necessidades básicas de um arquipélago, porque mar ka ê caminho di pé, já cantava o poeta.
A prática recente de colocar as pessoas em situação de emergência médica numa embarcação de boca aberta e zarpar para outra ilha precisa ser devidamente tratada! Aqui perguntamos: quem autoriza as viagens nessas condições? O Delegado de Saúde ou fica por conta e risco dos familiares? Os serviços sociais nas ilhas e a nível nacional quando o doente não é contribuinte ou beneficiário do INPS? Qual tem sido a posição dos Ministérios da Saúde nos casos em que a Binter recusa-se a prestar o serviço de transporte urgente de doente? O que diz a Agencia de Aviação Civil? Qual tem sido o posicionamento da Capitania dos Portos relativamente ao embarque e transporte de doentes em embarcações de boca aberta, sem quaisquer condições para o efeito? Qual é a posição da autoridade marítima? E da Enapor?
Como consequência, para além do sofrimento de muitos pacientes e familiares, mulheres gravidas e bebés têm sido as principais vítimas do caos instalado e do retrocesso imposto ao país, num domínio em que temos é de melhorar, nunca regredir!
O último caso, ocorrido no passado sábado, que terá contribuído para ceifar a vida de uma jovem mãe e o seu bebe, gerou uma sentida revolta e indignação da sociedade cabo-verdiana, pois o descaso e a negligência parecem evidentes, configurando uma regressão, sem precedentes, em matéria de direito à saúde e à assistência médica em Cabo Verde. É que, o que foi negado à malograda jovem mãe foi o acesso a um meio existente, disponível no país, presente na ilha, com argumentos burocráticos e de cariz comercial, é que se depreende do comunicado da operadora aérea.
Importa também verificar os procedimentos seguidos pelos serviços de saúde na ilha, o porquê do não funcionamento da cadeia de mandos? Por ex a DNS, o MS a MFIS, o PCamara tiveram conhecimento da situação? São questões que requerem investigação urgente, para que situações dessas não venham a repetir-se.
Enquanto reina a situação que ceifa vidas, a sociedade aguarda pelos resultados dos sucessivos anúncios feitos pelo Primeiro-ministro.
Primeiro, anunciou em junho de 2017 que os aparelhos da BINTER iriam ser equipados com macas especializadas, não cumpriu,
Depois, anunciou, também no ano passado, por ocasião do debate sobre o estado da nação, a celebração de um Protocolo entre a Guarda Costeira, a Direcção Nacional da Saúde, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e as seguradoras Garantia e Impar visando a afetação do avião “dornier” da Guarda Costeira às operações de evacuação interna de doentes. Nada aconteceu!
Por fim, anunciou a chegada, até dezembro, de um avião devidamente equipado para situações de emergência médica e que possa ir a qualquer ilha de Cabo Verde, mesmo sabendo que não há aeroportos em duas ilhas. Logo, não pode ser levado a sério!
Assim, o Grupo Parlamentar do PAICV exige que o Governo não prometa o céu aos cabo-verdianos, simplesmente resolva no imediato a situação, contratualize com a Binter Cabo Verde o transporte de doentes em situação de urgência, pois existe alternativa à situação de caos reinante, passível de ser implementada ainda hoje.
O GP do PAICV estará disponível para colaborar para que as melhores soluções sejam encontradas para que mais vidas não sejam ceifadas por descaso e negligencia, mas não se coíbe de acionar todos os meios legais, políticos e institucionais para que casos como estes não voltem a acontecer.
O GP do PAICV, por outro lado, congratula-se com a investigação desencadeada pela PGR para apurar as responsabilidades criminais nos recentes casos que redundaram em graves consequências para os pacientes e até em perdas de vida, como este recente da Boavista. Só assim fazemos jus ao nosso estatuto de um Estado de Direito Democrático onde as instituições funcionam e a impunidade não faz escola.
O GP do PAICV endereça as mais sentidas condolências às famílias cujos entes queridos perderam a vida em circunstâncias tão dramáticas quão condenáveis porque ferindo a dignidade e os direitos da pessoa humana.
Tenho dito!