INTERVENÇÃO DA LÍDER DO GRUPO PARLAMENTAR DO PAICV NA SESSÃO ESPECIAL DO 13 DE JANEIRO

Senhor Presidente da República, Excelência
Senhor Presidente da Assembleia Nacional, Excelência
Senhor Primeiro Ministro, Excelência
Senhoras e Senhores Deputados da Nação, Excelências
Senhores Membros do Governo, Excelências
Senhor Ex-Presidente da AN, Excelência
Venerando Juiz-Presidente do STJ
Venerando Juiz-Conselheiro do Tribunal Constitucional
Senhor Procurador-Geral da República, Excelência
Cardeal D. Arlindo Furtado, Eminência
Bispo da Diocese do Mindelo, Reverendíssima 
Exmo. Senhor Provedor de Justiça
Exmo. Senhor Presidente do Tribunal de Contas
Senhores Embaixadores e Representantes do Corpo Diplomático, Excelências
Senhores Representantes de Instituições Públicas e Privadas
Minhas Senhores e Meus Senhores:
 
As datas da República são criações simbólicas convencionadas para mobilizar a Nação, para exaltar os factos relevantes que marcam o percurso histórico e para, numa perspectiva pedagógica, fazer o balanço do percurso, ressaltar os ganhos colectivos, identificar as falhas da caminhada conjunta e esconjurar as tentações perniciosas.
 
É neste sentido que entendemos o 13 de Janeiro, que, apesar de ser convencionado como o Dia da Liberdade e da Democracia não de forma consensual, já está interiorizado e entendido, por todos, como um dia importante na caminhada política e institucional do povo destas ilhas, sempre na busca de melhores vias de participação nas questões essenciais de desenvolvimento.
 
É claro que várias datas podiam ser escolhidas e o PAICV disse-o claramente no momento próprio, e não tem receio de dizê-lo, assumindo, na plenitude, as suas responsabilidades, enquanto Partido responsável e com participação determinante nos principais momentos da história recente deste País, e que, também por isso, tem todas as razões do mundo para valorizar a caminhada de Cabo Verde enquanto Nação livre, independente e soberana.
 
Na verdade, e com um profundo respeito pela história do povo cabo-verdiano, várias são as datas que poderiam ser escolhidas para assinalar a Democracia!
 
Poderia ser, desde logo, o dia 19 de Fevereiro, que foi o momento do anúncio público, ao país e ao mundo, da abertura política!
 
Ou poderia ser o dia 12 de Março, dia do nascimento do MPD (Movimento para a Democracia), o Partido que viria a ganhar as primeiras eleições pluripartidárias realizadas em Cabo Verde.
 
Ou, ainda, poderia ser o momento da revisão da Constituição da República e da queda definitiva do artigo 4 º, com a criação de condições legais e institucionais para o pluripartidarismo.
 
Mas, por determinação da Maioria do MPD, que não aceitava qualquer proposta diferente da sua, acabou por ser decretada esta data que nós, enquanto Organização com uma forte cultura e sensibilidade institucionais, aceitamos e respeitamos!
 
Hoje é ponto assente, por todos, que 13 de Janeiro é a data da liberdade e da democracia e, desde há vários anos, que vem sendo comemorado por diversas instituições e pelo povo cabo-verdiano, como um dia grande da República.
 
Com efeito, as escolhas das datas nacionais são sempre polémicas e é por isso mesmo que a importância, o lugar e o espaço do 13 de Janeiro de 1991 vêm sendo objeto de intenso debate político-partidário, para que tenha dignidade de cerimonial de Estado e em lugar apropriado.
 
E isso não será inédito, já que outros Países, entre os quais Portugal, Espanha, Bielo-Rússia ou Timor-Leste, comemoram Dias de Liberdade, fazendo do Dia da Independência Nacional o Dia Maior da consagração e exaltação nacional.
 
A data é, sem dúvida, importante, porque no roteiro dos marcos relevantes iniciados pelo 5 de Julho, assinalando, o 13 de Janeiro, o termo feliz de um processo de abertura à democracia multipartidária bem-sucedido, iniciado a 19 de Fevereiro de 1990.
 
E convém, em momentos como estes, a contribuição desapaixonada de todos os sujeitos para a clarificação de factos e momentos políticos relevantes para, consequentemente, entre várias opiniões legitimamente divergentes, colaborar para que o espetro político-partidário cabo-verdiano abrace, coletivamente, o protagonismo da mudança ocorrida em 1990/91, em que se deve reconhecer a posição primeira à sociedade cabo-verdiana.
 
Excelências,
Senhoras e Senhores Deputados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores!
 
As datas nunca são iguais e qualquer tentativa de torná-las concorrentes podem prejudicar a importância de cada uma delas, para além de dificultar a sua interiorização pelo povo, no âmbito de um processo natural de pacificação dos cidadãos com os factos e com os fantasmas muitas vezes reais. Por isso, e para o Grupo Parlamentar do PAICV, mais uma vez podemos estar a errar nos processos e nos procedimentos quando queremos, de emergência e na urgência, confrontar e fazer concorrer o 13 de Janeiro e o 5 de Julho, ambas datas da República, mas claramente com peso e significado diferentes.
Tenhamos em conta que o dia 5 de Julho foi a condição sine qua non a tudo quanto viria a acontecer, à cadeia de desenvolvimentos, nomeadamente o caminho à abertura política.
 
Sem o dia 5 de Julho, o Povo de Cabo Verde não assumiria o seu destino nas suas próprias mãos!
 
O 5 de Julho, da Hora Grande, foi, a um tempo, o termo duma partida e o início de outra magnificente, de uma intensa vivência histórica para, com passos seguros, Cabo Verde, com todo o orgulho, afirmar-se no seio da Comunidade das Nações, como Povo e como Nação, edificando as suas instituições e aperfeiçoando o seu modo de funcionamento.
 
Foi graças ao 5 de Julho que o tenaz Povo de Cabo Verde soube enfrentar todas as adversidades e os caprichos da realidade física e geográfica, e combater dramas e angústias herdadas, muitas delas, na origem de certos ceticismos que não afiançavam a viabilidade de Cabo Verde como País Independente.
 
A partir do dia 5 de Julho de 1975, o Povo de Cabo Verde pôs fim a dramas, apropriou-se de autoconfiança e desafiou Países amigos e Organizações Internacionais, e gerindo, de forma exemplar, a ajuda internacional - plantando árvores, construindo diques, e democratizando a saúde e o ensino - elevou a sua autoestima.
 
Sobretudo, edificámos o Estado de Cabo Verde, com instituições sólidas, respeitadas e credíveis, e saímos da negação da dependência, da dominação e da alienação.
 
Demonstrámos que tínhamos qualidade para sermos livres e personalidade criadora para pensar, julgar e agir em nome próprio.
 
Tudo isso, e muito mais, mostrou, num determinado momento, que era necessário dar mais um passo em frente, na cadeia de desenvolvimento iniciada em 1975, numa conjuntura internacional prolífica em fenómenos e acontecimentos, determinando profundas transformações a nível mundial, os quais também mostraram que era necessário o País adequar-se e acompanhar os novos tempos com os seus novos padrões e desafios.
 
Sem o 5 de Julho não seria possível a construção desse patamar.
 
Sem a Independência Nacional não seríamos plenamente autónomos e aptos para determinarmos as vagas de desenvolvimento seguintes, inclusive chegarmos à Democracia Pluralista.
 
É nestas condições sólidas que foram dados os passos de uma cadeia de procedimentos que conduziram ao 13 de Janeiro, pois o grande investimento no capital humano resultou numa consciência mais aguda sobre o sentido do Estado e das suas obrigações, num nível de exigências mais apurado e acentuado por parte do cidadão, bem como na sua capacidade crítica e interventiva.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
 
Várias foram as condições externas e internas de incidência social e política que, de forma útil, enquadraram e postularam os sucessivos passos a dar.
Vejamos a cronologia de factos políticos importantes para a compreensão dos desenvolvimentos políticos que marcaram um dos períodos mais relevantes da disputa político-partidária em Cabo Verde:
 
• Dentro do próprio PAICV afirmava-se uma ala reformadora bastante crítica que está na origem das reflexões do Congresso de 1988. Encontrávamo-nos numa nova fase em que se manifestava a necessidade de afirmação de um Estado de Direito Democrático, de eleições multipartidárias na base de disputas marcadamente democráticas, de reformas modernizando figurino institucional do Estado.
 
• É com o amadurecimento dessas circunstâncias que, a 13 de Fevereiro de 1990, na sua III Reunião Extraordinária, o Conselho Nacional do PAICV, no seguimento de profunda reflexão sobre o regime político, deliberou proceder à abertura ao multipartidarismo em Cabo Verde, com a consequente queda do artº 4º da Constituição da República, bem como outras medidas e ações que proporcionassem o ambiente jurídico-legal adequado à emergência de forças político-partidárias concorrentes. 
 
• A 19 de Fevereiro o Comandante Pedro Pires, na sua qualidade de Secretário-Geral do Partido e Primeiro-Ministro, em conferência pública anunciou ao País o fim, de facto, do Partido Único e a abertura ao multipartidarismo, marcando assim o verdadeiro início do processo de mudança.
 
• É nesse ambiente de plena abertura e de absoluta liberdade de expressão que o MpD é fundado a 12 de Março de 1990 e, de boa-fé, é-lhe permitida a normal actuação antes ainda da sua formalização legal.
 
• No seguimento de entendimentos alcançados em muitas e longas reuniões, o Governo do PAICV criou as condições legais para a existência de vários Partidos, dotando o País de um quadro jurídico-institucional apropriado e garantindo a implantação multipartidária a nível nacional. Do mesmo passo, foram montados os dispositivos jurídico-legais, institucionais e logísticos relativos à organização do processo, tratamento igual nos órgãos de comunicação social, etc.
 
• Em Setembro de 1990 cai, formalmente, o artº 4º da Constituição, ficando, deste modo, consagrada a abertura constitucional para um regime multipartidário e instituição do princípio da separação de poderes.
 
• Em entendimento com o MpD, em sede de negociações intensas entre as delegações constituídas expressamente para o efeito, o Governo do PAICV marcou para o dia 13 de Janeiro de 1991, a realização das primeiras eleições legislativas multipartidárias, bem como a organização de todo o processo eleitoral. Participaram os dois Partidos, o PAICV e o MpD em igualdade de circunstâncias, em toda a extensão das liberdades fundamentais.
 
• O PAICV perdeu as eleições, o que reconheceu democraticamente!
 
• Por Decreto Presidencial nº 2/91, de 25 de Janeiro de 1991, é exonerado o Governo do PAICV, bem como extintos os respetivos Ministérios e Secretarias de Estado, e são nomeados os membros do Governo, de acordo com os resultados das eleições de 13 de Janeiro, bem assim os respetivos Departamentos Governamentais. Nesse mesmo dia, o Governo liderado pelo Dr. Carlos Veiga é empossado pelo Presidente da República, Aristides Maria Pereira.
 
• A 17 de Fevereiro de 1991, têm lugar as Eleições Presidenciais, ganhas pelo Dr. António Mascarenhas Monteiro, apoiado pelo MpD.
 
• A 25 de Fevereiro de 1991 tem lugar a sessão constitutiva da IV Legislatura para empossamento dos Deputados à Assembleia Nacional, eleitos a 13 de Janeiro.
 
Senhoras e Senhores Deputados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores:
 
Com essa cronologia de factos, alcançámos a verdadeira dimensão e importância do 13 de Janeiro, que foi o culminar de um processo de transição democrática exemplar, sem turbulências que pusessem em causa os alicerces da Nação, pois não foi fruto de manifestações populares contra o regime na altura, não houve golpe de Estado, esteve assegurada a paz social e a estabilidade política, as instituições do Estado funcionaram em plena normalidade, e não houve conflitos institucionais entre os Órgãos de Soberania e as forças político-partidárias emergentes.
 
O decurso da mudança foi reconhecido e elogiado pela comunidade internacional, o que somente prestigiou Cabo Verde e os seus principais atores políticos. 
 
O ambiente em que ocorreram as eleições livres e democráticas a 13 de Janeiro de 1991 demonstrou o elevado sentido de civismo e de patriotismo do povo de Cabo Verde!
 
Senhor Presidente da República, Excelência
Senhoras e Senhores Deputados, Excelências
 
Que se comemore o dia 13 de Janeiro com a dignidade que lhe é própria no percurso histórico de Cabo Verde, enquanto dia que simboliza o momento em que se ousou dar mais um passo para substancializar os contornos da nossa liberdade e densificar a democracia.
Devemos todos contribuir para que o 13 de Janeiro não seja uma data de arremessos ou de revanchismo político, mas sim como mais um marco na caminhada e na afirmação contínua da Nação e do seu Estado, cuja construção teve início no dia 5 de Julho, primeiro dia da Independência Nacional, de que tanto nos orgulhamos.
 
Nesta fase afirmativa da vida do País, de um Estado consolidado e virado para o futuro, de nada nos servem determinadas atitudes e comportamentos, bem pelo contrário, temos que ser capazes de ultrapassar desarmonias, lá onde elas não devem existir, porque não constituem ganhos para ninguém. Somos todos indispensáveis e necessários nessa cumplicidade que nos impõe o nosso desígnio, como Nação, que é a construção permanente de um futuro seguro para as novas gerações!
 
Que, com as nossas diferenças políticas, discutamos, com entusiasmo e respeito mútuo, os verdadeiros problemas com que o País se confronta, com o devido apreço que Cabo Verde merece ter e com uma crescente tomada de consciência das fragilidades do funcionamento de qualquer sistema político, mesmo havendo aumento da literacia política.
 
Elevemos os índices de qualidade da nossa democracia e os referenciais do funcionamento das instituições democráticas, para que elas mereçam cada vez maior confiança por parte do Povo de Cabo Verde, despertando no cidadão um cada vez maior empenho para as questões de interesse público e pela sua participação política e cívica, nomeadamente baixando significativamente os elevados índices de abstenção com que tanto devíamos estar a preocupar-nos.
 
Encontramo-nos numa fase do nosso desenvolvimento em que as críticas e as pressões são mais acentuadas, e, por isso, a necessidade de maior consolidação democrática, que passe pelo reconhecimento e respeito mais efetivo da oposição democrática, paralelamente à melhoria do funcionamento das instituições democráticas.
 
Para isso, os titulares de cargos políticos têm a nobre missão de levar à Sociedade a Cultura do Espírito e de Estado, para que aumentemos os sentimentos de dignidade e independência, como forma de, também, elevarmos a qualidade da nossa Democracia, para além da Soberania Nacional.
 
Senhor Presidente da República
Senhor Presidente da Assembleia Nacional
Senhoras e Senhores Deputados
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Excelências:
 
Treze de Janeiro deve ser o momento próprio para aferirmos da qualidade da nossa democracia, do percurso feito, dos ganhos conseguidos e das falhas a corrigir e, neste particular, temos todos razões para nos sentirmos orgulhosos das edificações que fomos capazes de pôr de pé.
 
Não obstante os ganhos alcançados, temos reparos a fazer porque há sinais que, claramente, não são compatíveis com o nível de democracia reinante neste país, que chocam com os princípios e os valores conformadores já da cultura deste povo de mente aberta e que quer o melhor para estas ilhas.
 
O estágio da nossa democracia não é compatível com o funcionamento irregular das instituições, nem com violação clara da Lei e da Constituição da República, como bem ilustram os episódios recentes que envolveram o parlamento e os seus principais responsáveis.
 
O estágio do desenvolvimento da nossa democracia também não é compatível com as perseguições pós- eleitoral - pondo claramente em causa a liberdade de preferência, a liberdade de escolha, a liberdade de expressão e a liberdade de voto. A Nossa Constituição garante que nenhum cidadão deva ser perseguido pelo facto de ter votado de acordo com a sua consciência ou pelo facto de ter declarado a sua preferência política e ter feito campanha por um ou outro Partido.
 
O estágio da nossa democracia é incompatível com despedimentos de cidadãos pelo facto de pertencerem a partidos que perderam as eleições.
 
O estágio da nossa democracia é incompatível com transferências quase que sumárias, e sem qualquer razão de racionalidade apenas para penalizar, intimidar ou perseguir cidadãos que não lêem pela cartilha de quem tenha ganho eleições. Cidadãos que têm o direito de viver a sua vida normal e de trabalhar com dignidade, no seu país.
 
O estágio da nossa democracia é incompatível com o tratamento desigual ou discriminatório de cidadãos perante as instituições do Estado.
 
O estágio da nossa democracia é incompatível com qualquer acto que indicie o silenciamento, a instrumentalização ou a manipulação dos órgãos da Comunicação Social.
 
O estágio da nossa democracia é incompatível com a prática, cada vez mais evidente, de assaltar o Estado dividindo cargos e funções, a clãs político-partidários, de acordo com uma estratégia bem urdida de favorecimento.
 
Senhor Presidente da República
Senhor Presidente da Assembleia Nacional
Senhoras e Senhores Deputados
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Excelências,
 
Neste momento solene, assumamos o Estado Republicano de Cabo Verde como agente da unidade e da coesão nacionais, alicerçado na livre e consciente participação dos cidadãos, sem quaisquer arremessos políticos, mas movidos pelo interesse de, todos juntos, promovermos a realização das aspirações e sonhos legítimos dos nossos concidadãos, onde quer que se encontrem!
 
Obrigada pela vossa atenção!
 
ERP 0993
 

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