Comemora-se, hoje, mais um 27 de março, Dia da Mulher Cabo-verdiana! Dia, que se impôs na Sociedade, não por via de Decreto ou Resolução, mas sim, natural e espontaneamente, diríamos, pelo costume da comemoração do dia da criação da Organização das Mulheres de Cabo Verde, há exatamente 37 anos.
Assinalar esta efeméride é também o justo reconhecimento do percurso da Mulher de todos os tempos e da sua participação na construção de um Cabo Verde, livre, independente, democrático e em desenvolvimento.
Para melhor recorte da condição de “SER MULHER” no nosso país, parece-nos importante, relembrarmo-nos de diversos momentos históricos que põem em destaque a tenacidade, a força, e o espírito de sacrifício que caldeou a Mulher Cabo-Verdiana ao longo da história destas ilhas e que a literatura e a arte tão bem registaram ou pintaram em imagens de “cansera pa kria fidju”, de simentera do milho e feijão, ao lado dos homens, no “omi ku faka, mudjer ku matxado”, da revolta de Rubon Manel ou na do Capitão Ambrósio, no desastre da Assistência à cata de migalhas para matar a fome dos filhos, para mais tarde, chegarmos a aquelas que, corajosamente, participaram em várias frentes da Luta de Libertação, emprestando ao país os melhores anos da sua vida, na luta pela Independência do País e correndo, absolutamente, todos os riscos.
É de justiça destacar o papel relevante do grupo de Mulheres que, após a Independência e inspiradas nos ensinamentos progressistas de Cabral sobre a promoção e dignidade da mulher, se organizou e, ousadamente, criou a primeira organização feminina do país, a Organização das Mulheres de Cabo Verde, em 1981, com o propósito principal de dar a voz às mulheres.
O seu envolvimento, a determinação bem como a sua visão e capacidade, contribuíram sobremaneira para a adoção e o sucesso de projetos e programas sociais pioneiros na construção do Cabo Verde independente, quais sejam:
• a institucionalização do Programa de Planeamento Materno-infantil e Planeamento Familiar (o PMI-PF);
• as alterações legislativas que puseram termo às leis discriminatórias e indignas para com a mulher e as crianças;
• as campanhas de alfabetização;
• as campanhas de sensibilização e conscientização dos direitos da mulher;
• a planificação e criação de atividades geradoras de rendimento;
• a criação e a gestão de jardins infantis, e de Centros de Promoção Feminina , etc.
Registamos, com satisfação, que a mulher, apesar das suas múltiplas tarefas, continuou nessa linha, organizando-se em Instituições da Sociedade Civil numa clara promoção da ação social no seio das famílias e das mulheres em situação de maior vulnerabilidade. Digno de registo é também o surgimento de associações formadas por Homens, em defesa desses mesmos interesses .
Sr. PAN, Colegas Deputad@s, Sr MAP,
Hoje, não obstante os ganhos inegáveis, PARADOXALMENTE, muitas das questões, outrora colocadas, continuam atuais e prementes e a sua resolução é condição para o avanço do desenvolvimento e da democracia.
Aliás, se dúvidas houvesse, bastaria reportarmo-nos às declarações da Diretora Executiva da ONU Mulheres, e cito: “se queremos passar da promessa de desenvolvimento sustentável à realidade dos factos, se não queremos deixar ninguém para trás precisamos é de uma ação urgente em matéria de igualdade de género e empoderamento das mulheres”.
Quase 43 anos de país independente e 37 após a criação da primeira organização de mulheres, esta necessidade de uma ação urgente é sentida em Cabo Verde e é hora de, também, darmos saltos qualitativos na agenda de género.
“A Hora é agora!” diz assertivamente, o lema proposto pelas Nações Unidas. “A Hora é agora!” também em Cabo Verde!
Isto é, não obstante os progressos e ganhos alcançados, pelas Mulheres, no exercício dos direitos sociais e políticos, como resultado, não apenas, de compromissos internacionais, mas também da criação de legislação e politicas nacionais favoráveis à promoção da igualdade de género (nomeadamente, a adoção da lei de VBG, os ganhos em matéria de educação, de saúde sexual e reprodutiva, a criação do observatório do género, a orçamentação sensível ao género e ainda a defesa de direitos das LGBT, NÃO OBSTANTE esses avanços, DIZÍAMOS, a sociedade cabo-verdiana continua a ser DISCRIMINATÓRIA em relação à participação das mulheres em varias esferas, e PERMISSIVA no que concerne a comportamentos ABUSIVOS em relação às Mulheres, em particular.
Vejamos:
• A Lei da VBG, malgrado a sua robustez, não foi verdadeira e integralmente assimilada pela sociedade e, por isso, continuamos a assistir à perpetuação da violência contra a mulher. Continuamos a coexistir com jovens e mulheres desrespeitadas e humilhadas, na sua dignidade e integridade como ser humano e por elas, exigimos que o Executivo intensifique as ações de conscientização, que ACELERE a avaliação do estado da sua implementação, e FAÇA os acertos necessários, pois onde há violência, NÃO HÁ IGUALDADE, NÃO HÁ PAZ, NEM DESENVOLVIMENTO.
• Por outro lado, o desemprego continua a atingir cerca de 11,2% das mulheres, sendo que a maioria, 58%, trabalha no setor informal e 55,8% no setor terciário, portanto, em trabalhos precários e menos remunerados. As mulheres cabo-verdianas continuam a liderar os trabalhos domésticos e de cuidados, NÃO REMUNERADOS, cerca de 72%, ocupando-lhes 9H/dia, o que aponta para um claro aprofundamento das desigualdades sociais em função do sexo!
• A maioria das famílias continua sendo chefiada por mulheres, sendo que 68% delas são monoparentais e estão sobretudo no meio rural. Significa, colegas deputados, que as mães solteiras continuam a ser, individual e solitariamente, responsáveis pelo sustento e educação dos filhos!
• Embora tenham sido medidas excelentes, infelizmente, já ninguém considera suficientes, nem a obrigatoriedade do Registo à Nascença, nem a teórica obrigatoriedade da pensão de alimentos, para se cumprir o desígnio da paternidade responsável! Estamos muito longe desse desiderato!...
• Se as mulheres chefes de família estão maioritariamente no campo, porque não facilitar o acesso das mesmas à terra?
Como não relacionar estas fragilidades na estrutura familiar com o abandono escolar, a delinquência juvenil, a pequena criminalidade, as diversas dependências, e à posteriori, com a criminalidade organizada, se um dos progenitores, o PAI, se demite das suas responsabilidades e a sociedade não consegue responsabiliza-lo e tarda em apoiar a MULHER MÃE, demasiadas vezes o único alicerce para amar o bebé, educar a criança, financiar os estudos do jovem, e, em simultâneo, lutar pela sua dignidade, impor-se num universo masculino, e participar no processo de desenvolvimento da sua sociedade?
Não restam dúvidas de que as estratégias devem ser reforçadas ou alteradas, as prioridades judiciais devem ser revisitadas e medidas inovadoras devem ser introduzidas.
O Plano Nacional de Cuidados, cujo lançamento assinalamos com agrado, poderá ser uma via para favorecer a partilha das tarefas familiares na esfera privada e garantir mais equidade de género e justiça social, mas as cuidadoras informais não podem ficar excluídas.
Em relação à participação política das mulheres, e da sua presença efetiva nos órgãos de decisão, estamos muito aquém do desejado. É basta um olhar para os resultados das ultimas eleições!
A paridade de género não é uma mania ou uma reivindicação das mulheres! Deve ser uma matéria congregadora de vontades, cientes de que o engajamento da mulher trará resultados positivos no crescimento económico e no desenvolvimento do país. Portanto, deve ser expressão de uma vontade coletiva da nossa sociedade para a eliminação progressiva da atual discriminação prevalecente de modo subtil.
Ciente da partilha desta responsabilidade entre todos os atores e para que CV atinja a paridade de género e que se tenha um planeta 50-50 em 2030, o PAICV trabalhou o seu projeto de Lei de Paridade, que já foi apresentado à RMPCV, estrutura que integra deputadas de todos os partidos com assento parlamentar e que assume a presidência da Comissão de Legislação para a elaboração da Lei.
O PAICV, nesta luta pela coesão e justiça social, estará ainda engajado na elaboração de outras propostas, quais sejam, a criação de um Fundo de Garantia para apoiar as mulheres, chefes de família em situação de vulnerabilidade, a definição e o reforço do Voluntariado Nacional, o estabelecimento de um Quadro Institucional de Proteção e Apoio as ONG, ao mesmo tempo que estará a incitar o Governo a legislar em matérias afins.
Queria terminar, Sr. Presidente da Assembleia Nacional, felicitando todas as mulheres, cabo-verdianas nas ilhas e na diáspora, por este dia e exortando todos os Homens, nossos inquestionáveis parceiros, num engajamento cada vez mais sincero e substancial nesta luta que é afinal de todos, por mais Bem-Estar e mais qualidade da nossa Democracia!!!