Sr. Presidente da Assembleia Nacional,
Sras. e Srs. Membros do Governo,
Sras. e Srs. Deputados da Nação:
Permitam-me, na introdução desta interpelação ao Governo da República, lembrar as palavras do quadragésimo quarto Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, no seu discurso de despedida.
Obama falou da necessidade permanente que devemos ter em cultivar o “Jardim da Democracia” e que a “Democracia é ameaçada sempre que nós a damos como garantida”.
O debate sobre o estado da nossa democracia é um debate sempre actual e de uma pertinência incontestável e, por isso mesmo, fica difícil entender a posição do Movimento para a Democracia que, pela boca do Deputado João Gomes considera não fazer sentido o agendamento desta interpelação.
Esta reacção é, no mínimo, estranha e põe a nu o verdadeiro caracter do Movimento para a Democracia que, por ironia do destino, não quer debater precisamente a Democracia e os riscos da sua fragilização.
Todos nós, independentemente da nossa filiação partidária, temos o dever de nos engajarmos na tarefa de aumentar e fortalecer a confiança que os cidadãos ainda têm nas instituições democráticas.
Se queremos que o comum do cidadão cumpra o mais simples das regras e das leis, temos de ter primeiro um comportamento exemplar no desempenho das nossas funções e cumprir escrupulosamente a Constituição da República e demais leis que norteiam a nossa acção política.
Juntos e com um envolvimento exemplar dos cabo-verdianos, temos feito uma caminhada exemplar na construção das bases para uma democracia robusta que ultrapassa os aspectos formais para se tornar uma prática, um costume e uma cultura.
Os esforços empreendidos têm feito Cabo Verde merecer avaliações altamente satisfatórias, partilhando com os países de democracias mais consolidadas níveis cimeiros e ombreando com os países das melhores práticas em matéria de acesso ao poder e relação entre as instituições e as pessoas.
O nível que atingimos em matéria de democracia e liberdades coloca-nos desafios acrescidos não compatíveis com o relaxamento e tolerância a práticas desviantes.
No decurso desta legislatura, temos assistido ações e comportamentos por parte do partido no poder que fragilizam o Estado de Direito Democrático e suas instituições e colocam obstáculos no processo da construção de uma democracia mais intensa.
Refiro-me ao incidente que envolveu o Presidente da Assembleia Nacional, que investido nos poderes de Presidente da República Interino decidiu, de forma consciente e deliberada, presidir uma sessão da Assembleia Nacional violando de forma grosseira o principio de separação de poderes estabelecido na Constituição da República.
O recente acórdão do tribunal constitucional veio confirmar que o senhor Presidente da Assembleia Nacional usurpou os poderes de um outro Órgão de Soberania e, num Estado de Direito Democrático, a sério como o nosso, a usurpação de poderes deveria ter consequências.
Refiro-me também as manobras que esta maioria parlamentar se socorreu para impedir, a todo o custo, que a oposição democrática constituísse uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar negócios intransparentes que o Governo tem em curso no sector da aviação civil.
Essa Comissão Parlamentar de Inquérito a luz da lei era de constituição obrigatória, o que nos leva a interrogar porquê que esta maioria não quer ser investigada?
Refiro-me também aos sucessivos ataques e ao apetite predador desde governo que, mergulhado nos seus interesses políticos egoístas, não se coíbe de pôr em causa autonomia e independência dos jornalistas livres desta República.
As recentes declarações públicas, nas redes sociais, do conhecido jornalista Carlos Santos, uma referência no jornalismo Caboverdiano, sobre a proposta de Código de Ética e Conduta, são deveras preocupantes e passo a citar parte desse pronunciamento: “Quem lê o código percebe que o que se quer é silenciar e amordaçar os jornalistas, transformando-os em autênticos pés de microfone, burocratas, gente cega, surda e muda” fim de citação.
Sr. Presidente,
Sras. E Srs. Deputados:
Não podíamos ficar sem trazer a consideração desta Casa Parlamentar os sinais do azedar das relações entre Instituições da República.
Refiro-me a recente greve e manifestação da Polícia Nacional, que em 147 anos de história sentiu-se na necessidade de pela primeira vez sair as ruas para denunciar a nação aquilo que eles qualificaram de falta de respeito, falta de palavra e não cumprimento dos compromissos previamente assumidos por este governo.
Ao faze-lo, passando do pré-aviso a uma materialização concreta, com a adesão e o apoio que conseguiu despertar, exercendo um direito que se lhe assiste no quadro da legislação vigente, chamaram a atenção de todos e inauguraram uma nova etapa no relacionamento entre o Governo e esta importante instituição de garantia da segurança dos cidadãos.
O Governo, por sua vez, ao invés de reflectir sobre a gravidade da situação a que submeteu o país, dos impactos da falta de habilidade em lidar com esta situação delicada e da abertura de um precedente gravíssimo, decidiu responder com ameaças e promessas de sanções disciplinares, num tom intolerante e inadequado para uma situação tão sensível.
Refiro-me também, Sr. Presidente, à forma vergonhosa como os trabalhadores do Instituto Marítimo e Portuário foram despejados das suas instalações em São Vicente, com total desrespeito pela Lei que confere autonomia de funcionamento às Instituições Reguladoras.
Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados:
Não é demais repetir que Cabo Verde tem sido uma referência mundial em matéria de Democracia, pela forma como fizemos a transição pacífica e tranquila pela mudança para o pluripartidarismos, pela forma como realizamos periodicamente eleições livres em que os resultados são respeitados por todos os participantes, factos que nos têm feito progredir gradualmente, ano apos ano, em todos os rankings internacionais.
No entanto se queremos continuar com este percurso e entrar no restrito grupo de países que são considerados democracias plenas, temos de combater essas novas práticas que configuram ameaças e que fragilizam o nosso Estado de Direito Democrático.
Por tudo isso consideramos que a Casa Parlamentar é o espaço próprio e privilegiado para através do instituto da interpelação provocar uma confrontação de ideias em torno da democracia que queremos edificar nestas ilhas e sobre a qualidade de Estado de Direito que os cabo-verdianos ambicionam.
Tenho dito!
Praia, Palácio da Assembleia Nacional, 22 de Janeiro de 2018