Por : André Amaral, Expresso das Ilhas
Na semana em que, no Parlamento, se vai debater o Estado da Nação, a presidente e líder parlamentar do maior partido da oposição faz, nesta entrevista ao Expresso das Ilhas, um retrato pouco favorável dos 14 meses de governação do MpD. Para Janira Hopffer Almada as promessas feitas na campanha e os compromissos assumidos no programa do governo não estão a ser cumpridos e não há sinais de que venham a sê-lo.
Estamos na semana do debate do Estado da Nação. Que retrato faz o PAICV?
Um estado de algum desânimo e algum desalento e desesperança por causa da expectativa que foi gerada, pelos compromissos feitos com a população cabo-verdiana tanto nas campanhas eleitorais do MpD como no programa do Governo. Muito desses compromissos não estão a ser cumpridos nem sinais há de que venham a sê-lo. Não é nossa expectativa, e já o dissemos muitas vezes, que o programa do Governo venha a ser cumprido num ano e quatro meses uma vez que o mandato é de cinco anos. Mas é nossa expectativa que nesta altura já houvesse sinais que as promessas iam ser cumpridas, sobretudo no que diz respeito ao programa de curto prazo, o programa emergencial submetido ao parlamento. Como sabe, este programa de curto prazo tinha alguns compromissos fundamentais, considerados emergenciais, que tem a ver com a despartidarização da administração pública, o que definitivamente não aconteceu porque todas as nomeações foram feitas tendo por base a confiança política sem serem precedidas de concurso público e em todos os lugares-chave foram colocados antigos dirigentes, militantes ou simpatizantes do MpD. Tem a ver também com a promessa de aumento e geração de emprego. Como sabe, o PAICV deixou a taxa de desemprego relativa a 2015 em 12,2%. Subiu, em 2016, para 15%, foram destruídos cerca de 9 mil postos de trabalho e a taxa de desemprego jovem chegou aos 41%, além de ter aumentado também para as mulheres. Relativamente ao custo de vida houve um aumento, uma vez que houve aumento em bens essenciais como água, energia, gás, combustíveis e ultimamente cereais. Nada disso foi acompanhado por uma actualização salarial, não obstante a promessa no programa de governo e nas campanhas eleitorais tenha sido de actualização salarial anual. Quanto ao financiamento das empresas, estas continuam com os mesmos problemas de financiamento. Passados 16 meses, não há nenhuma novidade quanto ao principal problema das empresas. Há é novas promessas e novos compromissos que são feitos e ainda não começaram a ser implementados. Também não podemos deixar de referir à questão da segurança. Uma das bandeiras de campanha do MpD foi ‘Segurança Máxima e Tolerância Zero’ e penso que é unânime que houve um aumento dos índices de criminalidade e com algumas novidades, nomeadamente, com assalto e sequestro de turistas, tentativas de ocultação de cadáveres, assaltos a bancos. Fenómenos que não aconteciam há algum tempo em Cabo Verde. Para além disso temos, também, a questão de Chã das Caldeiras. Devemo-nos perguntar porque é que a população de Chã continua a manifestar-se quase todos os meses e também porque é que o Primeiro-Ministro teve a necessidade de chamar a si a gestão desse dossier ao ver que não estava a conseguir implementar aquilo que prometeu.
Falando por sectores e começando pelo sector dos transportes. Os transportes sempre foram alvo de grandes debates no Parlamento mas a verdade é que a solução tarda. Os transportes marítimos são praticamente inexistentes – não há ligações ao continente e quase não existem a nível inter-ilhas – e os transportes aéreos são aquilo que se sabe. Para o PAICV, o que devia ter sido feito e não foi?
Nós pensamos que, a curto prazo, devia-se tentar a obrigação de serviço público entre as ilhas, porque nós somos um arquipélago e a unicidade territorial é um factor de coesão nacional. Essa obrigação devia ser de medida urgente. A médio prazo, defendemos que é preciso a ponderação sobre uma eventual subsidiação para garantir mobilidade entre as ilhas. Claro que algumas vezes nos perguntam porque é que não fizemos isso… os resultados da governação do PAICV para os transportes foram fundamentais para que hoje pudéssemos ter essa perspectiva. Se nós não tivéssemos feito as reformas que fizemos no sector marítimo, se não tivéssemos investido fortemente nas infraestruturas como investimos nem sequer podíamos falar no que estamos a falar.
Mas os clusters do aero-negócio e do mar acabaram por não produzir os resultados esperados.
Não diria isso. Pelo menos, no tendente ao cluster do mar. O cluster marítimo, e salvo o devido respeito, começou a produzir os resultados esperados. Criámos uma entidade reguladora na área marítima e portuária, reforçamos a ENAPOR, fizemos dela a concessionária dos portos e já tínhamos o processo pronto para a concessão da gestão das infraestruturas portuárias, um processo que ficou parado neste um ano e seis meses e não deu sequer um passo. Mas houve ganhos incomensuráveis relativamente a este dossier. Mas nenhum cluster é estruturado em 5 ou 6 anos, são precisos investimentos para que depois haja resultados. E dou um exemplo concreto: os investimentos feitos na área do agro-negócio foram, muitas vezes, contestados pela actual maioria. Mas quando se analisa, hoje em dia, a taxa de crescimento económico atribui-se a responsabilidade desse crescimento ao sector da agricultura. Isso quer dizer que os investimentos foram bem pensados e já começaram a dar o retorno esperado. Se não tivessem sido feitos, talvez hoje não tivéssemos a taxa de crescimento a melhorar com, naturalmente, o principal responsável devidamente identificado pelos dados do INE. Porque quem diz que o principal responsável é o sector da agricultura é o próprio INE.
Mas também tivemos um ano atípico com um Furacão Fred.
Não. Nos últimos anos, se reparar, tem havido uma especial capacidade do sector da agricultura de contribuir para o PIB. Mas isso não pode ser visto só por causa do furacão. Nós, mais do que termos água temos de ter a capacidade de reter a água. E como é que podemos fazer essa retenção? É com base nos investimentos que foram feitos no mundo rural. Isso também é importante.
E em relação ao cluster do aeronegócio?
Eu penso que aqui nós temos de ser muito claros. Houve muitos investimentos no sector do aero-negócio. Cabo Verde conseguiu muito, conseguiu excelentes avaliações, conseguiu investimentos fortíssimos nos aeroportos internacionais, o que teve impactos muito positivos no sector do turismo que desde 2001 é o motor da nossa economia, tendo passado de 7% para mais de 22% do PIB com a governação do PAICV. Mas conseguimos os resultados que pretendíamos nos TACV? Não conseguimos. E temos de dizer claramente que não conseguimos todos os resultados que pretendíamos nos TACV. Mas nenhum governo consegue fazer tudo. Agora os investimentos feitos foram fundamentais e serão fundamentais para a estruturação de um cluster de aero-negócio desde que se dê continuidade à perspectiva de continuar a investir primeiro para que possamos ter acesso à nossa região, depois para que possamos continuar a ligar Cabo Verde ao mundo. E, permita-me dizer o seguinte: aqui é preciso honestidade. Neste processo de sale e lease back dos ATR, quando se diz que já se pagou uma percentagem do contrato de leasing, esta ideia é claramente falsa. E é preciso que se saiba que nós sabemos que quem diz isso não está a ser honesto. Porquê? Leasing financeiro não é e nunca foi uma venda a prestações. Não é e nunca foi e qualquer especialista da área sabe disso e quem anda a dizer isso sabe que um leasing financeiro não é uma venda a prestações. Também não se pode dizer que esta operação é uma má opção. Não é. E como é que se pode fazer essa avaliação? Através de uma análise de cada detalhe dos contractos de leasing financeiro inicial. Portanto, nesta matéria é preciso que tenhamos a coragem de repor a verdade e de sermos honestos na análise que fazemos. Não na perspectiva de obter ganhos políticos imediatos mas sim na perspectiva de proteger o país.
Esta solução encontrada para a empresa, a reestruturação e depois a privatização futura é o melhor caminho?
Primeiro acho que nem eu nem o senhor jornalista estamos em condições de dizer que é uma reestruturação. Não tive e penso que não terá tido acesso a nenhum documento. O que se sabe é o que saiu na imprensa. Estamos a falar de um recurso estratégico do país. Somos ilhas e o governo está a fazer todo um negócio sem dizer nada a ninguém. Não foi publicado no Boletim Oficial nenhum diploma, a oposição pede informações e são-lhe negadas, nós pedimos uma Comissão Parlamentar de constituição obrigatória e esta foi negada, por isso, eu, para já, não posso dizer que haja reestruturação. Tudo leva a crer que seja liquidação. Agora o grande problema é a forma como esta liquidação está a ser feita. De forma não transparente e obscura e sem garantia de que os interesses cabo-verdianos estão a ser protegidos. Sem garantias de que interesses ocultos estão a ser protegidos. E aqui vou ser clara, não temos nada contra a Binter nem contra qualquer outra empresa privada nem cabo-verdiana nem que tenha uma empresa mãe no estrangeiro e uma filial em Cabo Verde. O nosso problema aqui é a transparência do negócio, é a forma como se está a fazer este processo. Eu penso que a sociedade cabo-verdiana deve perguntar por que razão o MpD está a tentar vedar o acesso a essas informações. Porque se tudo está a ser feito de forma legal e protegendo os interesses dos cabo-verdianos, o normal seria que as informações fossem partilhadas. Os parceiros sociais não foram ouvidos, nem as câmaras de comércio nem os sindicatos. Os partidos com assento parlamentar não foram escutados. Afinal quem é que foi auscultado? O Primeiro-Ministro da primeira vez, numa primeira reacção diz que não tem contas feitas e depois vem dizer que a operação foi avaliada em cento e tal mil contos. Como é que é possível? Quem fez a avaliação? Como fez? Por que razão o Estado de Cabo Verde decidiu entrar no capital social da Binter? Qual o destino dos trabalhadores da TACV. Portanto, é um processo que levanta fortes suspeições, porque não está claro o que é que o governo pretende e porquê de o governo não estar a dizer aquilo que pretende. E o governo tem o dever de informar a nação das questões de relevante interesse público. Nós vamos actuar, estamos a fazer as ponderações necessárias, depois de a comissão parlamentar ter sido inviabilizada de forma anti-democrática e desrespeitando a Constituição, a lei e o regimento da Assembleia, nós não vamos baixar os braços para deixar que se desbarate um recurso estratégico de Cabo Verde.
Entretanto, o Ministério Público anunciou a abertura de uma investigação criminal aos últimos 15 anos de gestão dos TACV…
A posição do PAICV é sempre a mesma. Havendo suspeições defendemos sempre que haja investigação séria, transparente, objectiva e que a opinião pública seja esclarecida. Nós defendemos que havendo responsabilidades elas sejam assacadas. Mas defendemos também que quem não tem responsabilidades não seja vilipendiado na praça pública. E já agora, também o Ministério Público, no nosso entender, deve investigar os negócios da venda da TACV doméstica à Binter Cabo Verde, deve investigar os meandros deste negócio, de todo não transparente, obscuro e que não garante que os interesses do país tenham sido protegidos. E entendemos também que o Ministério Público deve estar atento aos dossiers de alienação dos activos do Estado, nomeadamente os portos e aeroportos, porque são recursos estratégicos do país.
Em termos de segurança, disse há pouco que se nota um aumento da criminalidade, a que se deve este aumento na vossa perspectiva?
Mais do que pensar nas razões devemos pensar em como estancar esse aumento e fazer retroceder os números da criminalidade. Na nossa perspectiva, deve haver um amplo consenso nesta matéria. Nós já assumimos publicamente e sempre dissemos isso, mesmo quando estávamos no poder, que o problema da segurança não é problema de um governo ou de um partido, é um problema de todos nós. Por isso mesmo fizemos uma declaração política há duas sessões parlamentares atrás manifestando a nossa disponibilidade em trabalharmos e contribuirmos naquilo que for necessário para tentarmos estancar esse problema. Mas há medidas que entendemos como fundamentais e que já podiam ter sido implementadas. Primeiramente a questão da modernização organizacional, técnica e cultural dos polícias, mas também a criação de condições para a eficácia operacional e com fortes investimentos no seu redimensionamento. Mas nada disso será possível se não se introduzirem mecanismos de planeamento e de novas tecnologias de informação e comunicação, com esquadras modernas e com uma forte aposta na capacitação do efectivo policial. Mas é preciso tentar, também, uma conjugação entre repressão e prevenção, porque se houver apenas uma actuação a nível da repressão o problema não se vai resolver, mas também só a prevenção não vai resolver o problema. Tem de haver um esforço conjunto. A nosso ver, este problema não pode ser distanciado, também, da própria questão da Justiça. No nosso entender, a Justiça acaba por ser um garante da liberdade. O problema que estamos a ter a nível da segurança versus justiça está a pôr em causa não só a própria Justiça como também a política pela morosidade das decisões, pela falta de celeridade e pelo espírito de impunidade que se cria na sociedade e no próprio cidadão.
O Ministro da Administração Interna anunciou recentemente um reforço dos meios da Polícia Nacional e também o investimento em novas tecnologias. É um avanço positivo?
Eu penso que todas as medidas que tenham por objectivo estancar o avanço da criminalidade devem ser saudadas e nós saudamos essas medidas. Mas esperamos que efectivamente tenham impactos. Mais do que avançar com medidas é preciso que elas tenham os impactos esperados e o principal impacto que se espera dessas medidas é a redução dos índices de criminalidade para o bem de Cabo Verde e para a segurança das pessoas.
O papel da Polícia Nacional tem sido reactivo. Acha que a Polícia Nacional tem um papel a desempenhar na prevenção da criminalidade?
Também, mas não só. Eu penso que a prevenção da criminalidade extravasa largamente o papel da Polícia Nacional. Isso tem a ver com a própria sociedade. Tem a ver com a educação formal, com a educação parental, tem a ver com o envolvimento que se fizer das organizações da sociedade civil, das ONG, com o papel das igrejas. Há uma conjugação de factores que tem de funcionar de forma articulada e coordenada para que os resultados sejam sentidos. Por isso é que defendi um esforço coordenado na prevenção e na repressão mas sendo certo que o trabalho de prevenção extravasa, naturalmente, a Polícia Nacional.
Falava em Educação. Que educação temos em Cabo Verde? Como é que o PAICV avalia este ministério?
O ministério e o sistema de educação registaram, infelizmente, grandes recuos neste ano e quatro meses de governação do MpD. Primeiramente com o desengajamento social da FICASE. O que é relevante num país onde a pobreza atinge muitas pessoas e onde as oportunidades têm de ser criadas para garantir a saída da pobreza de forma garantida e sustentável. O número de subsidiários da FICASE diminuiu, há também a não assumpção do transporte escolar em tempo útil, mesmo a verba alocada não traduz aquilo que foi a promessa do MpD nas campanhas eleitorais e no próprio programa do governo. Para além disso, há falta de moralidade não só nos concursos que vêm sendo lançados para o recrutamento de professores, mas também na forma como vêm sendo nomeados os responsáveis a nível das escolas e a nível das delegações. Reitero mais uma vez que não há nenhum responsável que tenha sido nomeado e cuja nomeação tenha sido precedida de um concurso público. Não foram nomeações com base no mérito mas sim na filiação ou na proximidade partidária o que não garante a estabilidade que o sistema de ensino merece e necessita. Por outro lado temos a perspectiva de reagrupamento das escolas que é um sistema de duvidosa aplicabilidade em Cabo Verde. Porque é claro que reagrupando as escolas é provável que haja um significativo aumento na taxa de abandono e reprovação escolar. Ainda sobre a nova matriz escolar desfasada da realidade e o novo sistema de avaliação que tem suscitado criticas, contestação e muitas dúvidas por parte, não só dos professores mas também dos encarregados de educação. Sente-se que o sistema está sem uma visão, sem orientação. Há um desnorte na gestão do sistema de educação em Cabo Verde. E esse desnorte tem impactos não só no presente mas também no futuro. O sistema de educação não devia estar à mercê das alternâncias políticas. Por outro lado, quando se tenta ver o que foi feito para aumentar a qualidade do sistema de educação não se encontra absolutamente nada. Absolutamente nada. Para além de workshops, fóruns e reuniões quais são as medidas concretas? Nenhumas. Devemos também dizer que há importantes investimentos, programas sérios como é o programa Pequena Infância que, apesar de o MpD ter permitido criar uma rede de infantários a custo zero para as famílias mais carenciadas, nada se viu até este momento. A Carta Educativa foi pura e simplesmente deixada de lado. A transição em todo o processo de gestão das cantinas escolares já não é pura e simplesmente abordada. Não podemos, de cada vez que há alternância política, destruir ou pôr em causa o investimento de anos e que mobilizou os cabo-verdianos em geral.
O INE tem vindo a anunciar o crescimento da Economia nacional. Num ano passamos de um crescimento de 1,1% para um crescimento de 3,6% e agora 3,8%. Como é que o PAICV vê estes números?
Primeiramente é preciso dizer que analisando o primeiro semestre de 2016 vê-se que a taxa de crescimento foi de 5,8% e comparando o primeiro trimestre de 2016 com o primeiro trimestre de 2017 já há uma tendência de queda, porque passamos de 5,8% no primeiro trimestre de 2016 para 3,6% no primeiro trimestre de 2017. O governo está a projectar o crescimento da economia, em 2017, em 5,5% do PIB, mas o Banco de Cabo Verde não e projecta um crescimento entre os 3 e os 4% do PIB. Comparando a evolução dos indicadores em termos homólogos o que verificamos é uma tendência de queda do crescimento da economia nacional e tudo indica que a economia não deverá continuar a crescer com a mesma dinâmica do ano passado. Neste momento podemos afirmar, com base nos dados, que o saldo da balança comercial teve uma deterioração de 50,7%, o que quer dizer que Cabo Verde aumentou a sua dependência do exterior. O saldo orçamental melhorou, mas porquê? Porque as receitas aumentaram, fruto das reformas de consolidação orçamental feitas ainda durante a governação do PAICV, mas houve uma grande diminuição dos investimentos públicos, o que é um mau sinal porque os investimentos são a pedra de toque no crescimento. Também não podemos deixar de dizer que se continua com uma elevada dívida pública. Somente nos últimos dois Orçamentos do Estado já podemos constatar um aumento de cerca de 25 milhões de contos na dívida pública. E qual é a conclusão? Isto quer dizer que apesar do crescimento de 3,8% do PIB em 2016 este valor não impactou na redução do rácio da dívida pública nesse ano. Isto permite ter as seguintes leituras: a riqueza gerada não foi colocada ao dispor da população e, por outro lado, pode levar-nos a pensar que houve esbanjamento no uso do dinheiro público, porque se o governo tem uma estrutura mais reduzida na perspectiva de diminuir os custos, se o governo disse que reduziu os salários que considerava astronómicos não pode haver um aumento da despesa pública. E aqui é preciso dizer que comparando de forma muito objectiva o primeiro trimestre de 2016, ainda na governação do PAICV, com o primeiro trimestre de 2017 o que é que se constata? Um aumento da dívida interna, um aumento das despesas em mais 5,2%, uma diminuição dos investimentos públicos, temos menos 29,8% de investimentos públicos, um aumento de 11% nas despesas correntes de funcionamento, um aumento dos juros da dívida interna em 13,5% e um aumento do serviço da dívida pública externa/exportação de bens e serviços. E é claro que se a economia cresceu, em 2016, à taxa de 3,8%, tem de ser visto como resultados de política que foram levadas a cabo, até porque desde o terceiro trimestre de 2015 que a economia nacional já dava sinais de retoma. Outro aspecto que não podemos deixar de referir é o facto de o governo estar a tentar reduzir o défice através da redução dos investimentos públicos. A taxa de execução do programa de investimentos públicos, em 2016, foi de 51% e quando a taxa de execução é de metade do proposto quer dizer que sectores fundamentais como a educação e a saúde estão a ser sacrificados. O que é muito negativo, um mau sinal para um país como Cabo Verde.
O Novo Banco é também um tema que marca a actualidade. Na sua perspectiva o que é que funcionou mal para levar à queda do banco?
O Novo Banco foi criado numa perspectiva de estímulo ao empreendedorismo e às micro, pequenas e médias empresas. Não foi uma decisão isolada, foi no mesmo âmbito de criação da ADEI, de criação do Fundo de Emprego e Formação Profissional, de um forte investimento na formação profissional, tudo na perspectiva de se ter um quadro mais favorável para as micro, pequenas e médias empresas. Agora, há aspectos que foram menos conseguidos no Novo Banco e isso também tem de ser assumido. Foram menos conseguidos, houve várias recentragens que foram feitas, uma em 2014 e outra em 2016. Não foram conseguidos todos os objectivos com a sua criação e o PAICV teve uma postura muito clara quando se optou pela resolução do Novo Banco. Primeiro, havendo responsabilidades elas devem ser assacadas, porque nós somos sempre pela ética e pela transparência, mas entendemos que as responsabilidades devem ser assacadas pelos organismos competentes, pelas instâncias competentes e não serem objecto de tratamento pouco sério e para se ter ganhos políticos como se viu que estava a ser feito, por exemplo, com a divulgação da lista de potenciais devedores.
O PAICV pediu a constituição de uma CPI para o Novo Banco. Está satisfeita com os resultados? Aquilo a que se tem assistido é um pouco um empurrar responsabilidades de um lado para o outro.
Mais importante do que nos centrarmos nisso é encararmos as Comissões Parlamentares de Inquérito como um mecanismo para se tentarem conhecer as informações de forma mais concreta e se poderem, depois, tirar as conclusões que possam ajudar-nos na gestão do país. Já é positivo termos proposto a constituição de uma CPI, o facto de ela já estar a funcionar e o facto de todas as entidades já estarem a ser ouvidas para nos permitirem conhecer a fundo este dossier. Mas não é só esse facto que, a meu ver, deve ser realçado. É o facto de o governo ter previsto a criação de um banco específico e especial para as pequenas e micro empresas, que implica um investimento de 800 mil contos, e não se ter disponibilizado para avançar com o capital necessário para revitalizar o Novo Banco. Se o governo tinha no seu programa a criação de um banco específico para as PME e sabia, ou deveria saber, que para a criação deste banco havia a necessidade de investir no capital social inicial 800 mil contos, porque é que o governo não implementou o programa de recuperação [do Novo Banco] que já estava a ter impactos positivos? Porque analisando as contas do Novo Banco constata-se que há uma recuperação no ano em que foi implementado o plano de recuperação.
Quais são, para o PAICV, as áreas em que devia haver convergência entre o governo e a oposição?
Em primeiro lugar, as matérias de regime. A revisão do Código Eleitoral, o Estatuto da Oposição Democrática e a regionalização, acho que são matérias que devem merecer uma atenção especial e devem ser objecto de um forte diálogo para a promoção de consenso entre os partidos com assento parlamentar. Mas há outras matérias que devem merecer essa atenção e ser objecto de um diálogo permanente e que têm a ver com a política externa, a justiça e segurança, as políticas públicas de transporte inter-ilhas e a agenda de privatizações.