Hoje, celebramos mais um 5 de Julho!
Completam-se 46 anos desde que, em 1975, proclamamos, perante um mundo expectante, quiçá estupefacto, com os desafios do nascimento de um novo Estado, independente e soberano.
Por isso, desde logo, afigura-se-nos mister render uma vibrante homenagem ao Povo de Cabo Verde, que, desde à primeira hora, deu exemplo de responsabilidade, de civismo e de patriotismo, traduzidos na assunção dos desafios que se impunham para a edificação deste nosso Cabo Verde livre e independente.
Homenagear o povo destas ilhas é estampar um digno reconhecimento a todas as gerações dos nossos predecessores que resistiram à dominação, às secas, às crises e às mortandades e a todos os processos que moldaram a nossa identidade.
Homenagear o povo destas ilhas é fazer um vigoroso tributo à tenacidade física, psicológica e cultural do povo cabo-verdiano, veiculada, de forma tão eloquente, pelos nossos escritores, poetas e trovadores.
Homenagear o povo destas ilhas é, ao resto e ao cabo, reconhecer todos aqueles que sonharam com uma vida melhor nesta terra e para as suas gentes.
Excelências,
Assinalar a data de 5 de Julho é, também, render um vibrante tributo àqueles que ousaram ir para além do sonho e decidiram enfrentar todos os fantasmas, na mira dos ideais da liberdade maior, que é o sonho da independência.
Neste particular, incontornável se mostra a figura de Amílcar Cabral, uma personalidade que se imortalizou pelos seus feitos, que transcenderam os limites fronteiriços da Guiné e Cabo Verde para assumirem dimensão mundial, como, de resto, reconheceu a revista britânica BBC sobre a História Universal, que o distinguiu como o segundo líder que, a nível planetário, marca o século XX.
Em nosso entender, Cabo Verde tem o dever moral de valorizar este capital e fazer dele um exímio instrumento de motivação nacional, mormente junto das novas gerações, que procuram e precisam de referências que dão sentido à luta pelas causas da dignificação da pessoa humana.
Com relação à independência, a profecia, quase generalizada, era de que se estava perante mais um País a entrar na vasta lista dos condenados ao fracasso, na esteira da maioria dos Países independentes havia pouco tempo.
Minúsculo, sem recursos, toda a história assolada pela seca e perseguida por fomes implacáveis que, não raras vezes, dizimavam parte significante de nossa população. Este o retrato das ilhas que o mundo viu transformar-se em País e ascender a condição de independente e soberano.
Nessa hora inicial, ninguém dava nada por nós e poucos acreditavam no nosso sucesso.
Mas, as cabras, cedo, nos ensinaram a comer pedras para não perecermos, como bem escreveu o nosso poeta Ovídio Martins.
Tornamo-nos resilientes.
Sobrevivemos as agruras desta natureza madrasta e, hoje, eis-nos aqui, 46 anos passados, sendo considerados exemplos no mundo, com voz no concerto das nações, contribuindo para uma realidade bem diferente do que existia quando o País nasceu em 75 do século passado.
Excelências,
Cabo Verde, quando ascendeu à independência, era considerado um País inviável.
Porém, nestes 46 anos de vida de País independente, construímos um País que, hoje, orgulha todos os cabo-verdianos e cabo-verdianas, no País e na Diáspora.
Os ganhos foram em todos os domínios.
No ensino, na saúde, nos desportos, na justiça, nas infraestruturas, na agricultura, nas pescas, no turismo e no comércio.
O nosso PIB per capita que, em 1975, era de pouco mais de 200 dólares, situa-se, hoje, muito acima dos 3000 dólares.
Temos a segunda melhor Qualidade de vida Africana, segundo o Índice de Progresso Social, e o nosso índice de Desenvolvimento Humano tem melhorado de forma contínua ao longo dos anos.
Somos o segundo País Africano mais democrático, ainda que persistam os desafios de melhoria ao nível da qualidade e cultura democráticas e bem assim da participação da sociedade civil.
Este crescimento que o País verificou, apesar das secas que as agruras da natureza nos impuseram ao longo de nossa existência, foi em grande medida devido à nossa comunidade emigrada. Ela que, apesar da COVID, não deixou de ajudar a cuidar do País, com remessas e outras ajudas em géneros para minimizar o sofrimento de nossos irmãos aqui no País.
À nossa comunidade emigrada, neste mais um dia de celebração da nossa independência, os nossos agradecimentos por tudo quanto vêm fazendo para o engrandecimento deste País que orgulhamos todos de pertencer.
Excelências,
Não obstante os muitos ganhos de que, hoje, orgulhamos, inúmeros são os desafios que persistem. Desafios próprios de um País pobre, ainda subdesenvolvido, apesar da sua graduação a País de rendimento médio, desprovido de recursos naturais e continuando a padecer da crónica ausência de um bem essencial-básico que é a água.
A certeza que nos anima e, acima de tudo, nos fortalece é que a nossa vontade e determinação são maiores que os desafios e os obstáculos que nos espreitam.
Já nem a seca e as estiagens nos metem medo! Aprendemos a viver e a conviver com elas.
É verdade que os desafios, com que o País normalmente se defronta, foram multiplicados pela pandemia que afecta o mundo desde finais de 2019.
Esta nossa casa, a Assembleia Nacional, acabou de aprovar, há poucos dias, o Programa de Governo desta Legislatura. Este Programa não mereceu nossa aprovação pelos motivos que apresentamos aquando da sua apreciação e que escusamos aqui de referenciar na sua globalidade.
Mas, não podíamos deixar de frisar, mais uma vez, um ponto que reputamos de paradoxal e que deve merecer uma reflexão séria dos decisores políticos.
Estamos a falar da dimensão do Estado e dos custos de funcionamento da administração pública em Cabo Verde. Todos estão lembrados que de um enxuto primeiro governo, arma erguida durante a campanha eleitoral de 2016, aos poucos a ossatura desse governo foi crescendo e terminou com uma dimensão que parece ser desajustada da realidade vivida e da crise que nos ameaça.
Como se não bastasse, no início desta X Legislatura, ano 2021, batemos o recorde de número de governantes. O Governo tornou-se mesmo obeso, com um número claramente excessivo de Ministros, Secretários de Estado, Diretores-gerais, Directores de serviços, Assessores, Secretárias e outros colaboradores para um País de pouco mais de 500.000 habitantes.
Com esta atitude, difícil se torna compreender os pedidos de apoios, de reestruturação e da transformação da dívida em investimentos, quando aumentamos excessivamente os custos de funcionamento da máquina administrativa do Estado, sem se vislumbrar à partida os benefícios dessa medida.
Mas, voltemos aos desafios!
Excelências,
É evidente que o desafio maior do governo e do País no seu todo, nos próximos tempos, continuará sendo a luta contra a pandemia da COVID 19, que, com o seu alastramento pelas ilhas, comprometeu grandemente a economia do País, condenando muitos cabo-verdianos ao desemprego, cavando mais o fosso da desigualdade social.
Nestes 46 anos de independência, uma das metas de todos os governos foi o combate à pobreza. Reduzimos substancialmente o analfabetismo, a pobreza e as desigualdades sociais.
A COVID 19 veio comprometer vários destes ganhos. A pobreza e as desigualdades vieram à tona.
A desigualdade social poderá ser um dos factores que justifica o aumento da criminalidade que assola o País, apesar de o governo tentar fechar os olhos a esta dura e chocante realidade.
A erradicação da pobreza e a diminuição das desigualdades são, sem dúvida, os principais desafios do País. Compete a este governo encarar estes desafios como prioridade das prioridades, se queremos trazer a felicidade que prometemos aos cabo-verdianos na legislatura finda e que, ainda, nem com binóculos se vislumbram.
O turismo foi eleito como alavanca para o desenvolvimento do País. Porém, um dos ensinamentos desta crise que o mundo enfrenta é que a grande dependência desse sector acarreta riscos enormes.
A sua volatilidade ficou claramente evidenciada e sua diminuição, ou até paralização, tiveram impactos enormes na economia, no emprego e na vida das nossas gentes.
Urge, pois, na nossa perspectiva, repensar a nossa oferta turística. Repensar no sentido da sua diversificação e repensar no sentido da dinamização da nossa produção no campo e no sector das pescas.
A cultura, todos estamos de acordo, é o elemento que nos une. É o que une toda a Nação cabo-verdiana, nas ilhas e na Diáspora.
Em relação a ela, cultura, que devia suportar a vertente turismo para a diversificar, e evitar o binómio sol e praia, ficou-se por grandes palavreados e por medidas avulsas sem qualquer impacto na dinamização do sector.
São os dados estatísticos que nos dizem que a Cultura não aporta quase nada ao nosso turismo.
Em cinco anos, não construímos um único museu de raiz e nenhuma infraestrutura cultural de referência.
Nem a Cidade Velha, nem a Morna, importantes mais-valias que o País conseguiu com suas consagrações como Patrimónios da Humanidade, conseguem ser capitalizadas para potenciar o turismo cultural e introduzir uma nova dinâmica nesse sector.
Os agentes culturais, músicos, artistas plásticos, artesãos e outros ficaram ao Deus dará, vivendo dias de grande amargura, e não vislumbram medidas de política que possam melhorar suas condições de vida.
No que aos transportes aéreos internacionais concerne, as soluções desenhadas falharam em toda linha e o autismo, a falta de transparência, agravados pela insistência em um negócio falido, tem hoje consequências enormes para o País, seja no aumento da dívida pública seja no aumento das responsabilidades do Estado.
Os transportes aéreos domésticos estão numa situação indefinida, por conta do modelo implementado, apesar das resistências e críticas balizadas feitas por especialistas e personalidades entendidas no respeitante ao negócio da aviação civil.
A concessão celebrada com a CVINTERILHAS, com o objectivo de melhorar a prestação do serviço público, foi um fracasso.
O governo parece completamente perdido num sector tão vital para o País. E os cabo-verdianos estão assistindo a tudo, sem nada entenderem.
A nossa diplomacia foi sempre pautada pelos princípios do Não Alinhamento. No campo diplomático, nunca fomos assistentes passivos do que acontece no concerto das Nações. Na senda do caminho delineado ainda durante a luta de libertação, optamos por essa via. Fomos e somos actores e autores da diplomacia mundial, contribuindo, efectivamente, para um mundo com a configuração que, hoje, apresenta. Contribuímos, a nossa medida, para o fim dos conflitos no Sul do continente africano e, consequentemente, para o fim do apartheid na África do Sul.
Ainda, hoje, somos chamados a aportar nossa mais-valia no campo diplomático nos diversos conflitos que assolam o continente africano.
Todos estes ganhos constituem orgulho do povo das ilhas.
Porém, nos últimos tempos, a nossa política externa andou pelas ruas da amargura. Os cabo-verdianos assistiram incrédulos a uma deriva na nossa política externa, com posições que puseram em causa todos os princípios que a nortearam nestes 46 anos de independência.
Urge corrigir definitivamente esta deriva e retornar a nossa política de Não Alinhamento, concebida desde os tempos da nossa luta de libertação.
Excelências,
Estamos a celebrar a data maior da História de Cabo Verde num momento em que os efeitos da maior crise mundial registada nas últimas décadas se fazem sentir de maneira ameaçadora sobre toda a Nação Cabo-verdiana.
É nossa convicção que este desafio de proporções gigantescas só será eficazmente enfrentado e com possibilidade de redução de efeitos perversos, se conseguirmos reunir os cabo-verdianos à volta de objectivos consensuais, concebidos e trabalhados através do diálogo, da cooperação e solidariedade que envolva a sociedade cabo-verdiana no seu todo.
Este mesmo desafio proporciona aos actores políticos deste País a oportunidade de assumirem uma postura susceptível de responder às críticas, cada vez mais duras e intensas que lhes são endereçadas, particularmente no que tange à sua real capacidade de responder aos problemas, anseios e angústias dos cidadãos.
É neste sentido que, de acordo com o posicionamento da direcção do seu Partido, e aproveitando este momento simbólico de celebração da unidade nacional, o Grupo Parlamentar do PAICV convida aos restantes sujeitos parlamentares a fazer um esforço no sentido de encontrar pontos de convergência, aproximar abordagens não antagónicas e abrir-se ao diálogo e à cooperação para descobrir saídas para as matérias mais urgentes que importa atender, nesta encruzilhada pejada de perigos para o futuro de todos os filhos destas ilhas.
Haverá, inevitavelmente, inúmeros pontos em que não haverá encontro de posições e esses pontos irão provavelmente subsistir por longo tempo. Mas será possível identificar um bom número de questões em que os consensos não serão difíceis de se conseguir, havendo a necessária boa-vontade de todos os intervenientes.
Procuremos mostrar aos cabo-verdianos que colocamos as suas preocupações e angústias no topo das nossas prioridades e tenhamos a ousadia de nos entendermos à volta de questões essenciais e urgentes colocadas pela emergência nacional e que exigem a união de todas as forças para lhes fazer frente.
Façamos sacrifício dos nossos egos e de posições rígidas e caminhemos uns em direcção aos outros para facilitar o aparecimento de soluções eficazes e duradouras.
Não somos um País em guerra. Não somos inimigos à procura da destruição ou submissão do outro. Façamos, pois, o gesto patriótico de nos abrirmos ao diálogo, à cooperação e ao entendimento entre todos os cabo-verdianos.
Neste dia em que celebramos a data histórica da independência Cabo Verde, PAICV declara solenemente que está disposto a fazer a sua parte.
Termino com duas notas referenciais.
A primeira, porque pertenço à geração que se pode considerar fruto da independência. Fruto pelas conquistas alcançadas. Fruto pelas oportunidades geradas e colocadas à disposição dos jovens da minha geração e fruto por nos termos tornado actores activos da construção do futuro.
A segunda, por essa geração estar em dívida com os construtores do sonho de sermos livres e independentes e, por isso mesmo, estar vinculado a compromissos ou até ao dever moral de preservar os ganhos e construir novos ganhos.
Desde logo, os ganhos da construção de um Estado credível e da modelação de uma Administração funcional, que se quer cada vez mais eficiente e voltada para servir e praticar o bem comum.
Essas conquistas passam também pela edificação de um Estado de Direito Democrático com instituições consolidadas, robustas, credíveis e confiáveis. As instituições num Estado de direito Democrático devem ser construídas no dia a dia, adequadas e ajustadas ao contexto, mas sempre preservadas e protegidas para se evitar o caos e a anarquia.
Essa preocupação de preservação das instituições não é incompatível com o controlo, a fiscalização e a introdução de ajustamentos exigidos pela erosão que o próprio tempo provoca nas organizações.
Essas conquistas passam, também, pelo investimento na consolidação da democracia.
A democracia pressupões a confrontação das propostas e ideias, mas sobretudo o diálogo, a concertação, a negociação, o respeito pela diferença, a tolerância, a complementaridade e a construção de entendimentos sobre questões fundamentais que coloquem os interesses comuns acima de todos os outros interesses individuais ou de grupos.
Estamos, pois, desafiados a entender a diferença como riqueza e como factor que desperta a criatividade, para que possamos estar sempre a inovar e a empreender.
Um bem-haja o 5 de Julho, nosso Dia-Maior.
Viva a Independência Nacional.
Viva Cabo Verde.
Muito obrigado!