No início desta minha intervenção queria deixar uma palavra de encorajamento a todas as pessoas, nas diversas ilhas, que tiveram o azar de terem sido atingidas por este novo coronavírus independentemente de ter ou não desenvolvido a doença que é o COVID-19.
Queríamos também manifestar o nosso profundo pesar pelas perdas de vidas humanas que se registaram no seio da nossa comunidade na emigração nos diversos países de acolhimento, que nos atinge a todos.
Perdemos conterrâneos nalguns países da Europa como Portugal, França, Itália, Holanda, entre outros, mas, seguramente, é nos Estados Unidos da América que as perdas parecem ser em maior número, principalmente na cidade de Brockton.
Aos familiares e amigos, mas também, à nossa comunidade na diáspora queríamos, em nome do Grupo Parlamentar do PAICV, enviar um abraço de solidariedade e expressar o nosso profundo sentimento de pesar pelas perdas neste momento, em que sequer se pode dedicar aos entes queridos uma despedida condigna e um funeral que cumpra os ritos da nossa tradição secular.
Queria também deixar aqui uma palavra de incentivo a toda a população cabo-verdiana, no país e em todos os cantos do mundo, a se proteger e cumprir, rigorosamente as normas que constituem as verdadeiras munições para enfrentar este inimigo, insignificante, mas demolidor.
O mundo está confrontado com uma situação particularmente grave que acabou por pôr a nu as fragilidades dos sistemas nacionais da saúde, as políticas sanitárias, as debilidades dos sistemas económicos e testou até a capacidade da ciência em encontrar respostas rápidas que impeçam mortes em números tão expressivos.
Esta situação veio também testar a sensibilidade humana perante situações excecionais e demonstrar o quanto podemos ser irracionais, deixando morrer, muitas vezes sem piedade, os mais vulneráveis, em virtude da idade ou de problemas diversos relacionados com a saúde ou até com as condições sociais.
A situação que vivemos hoje, a nível global, poderá ser fruto de subvalorização deste fenómeno, de alguns atrasos na tomada das decisões e das opções e abordagens desadequadas e desajustadas.
Cabo Verde, inicialmente, parece que também não terá dado a devida atenção ao que estava a acontecer, fora das nossas fronteiras, e só em março veio se despertar pela gravidade do que, afinal, vinha ao nosso encontro.
Quando, a 6 de fevereiro, alertamos, através de uma declaração política, sobre os riscos que estávamos a correr e a necessidade de algumas medidas preventivas, não sentimos igual preocupação do executivo que se ancorava na tese de que o país estava preparado para enfrentar o que, na altura, era ainda apenas uma epidemia circunscrita à Ásia.
Compreendemos a tranquilidade do Governo, na altura e interpretamo-la como uma via para tranquilizar as pessoas e não semear o pânico no seio da população. Entretanto, para nós, já era o momento também de se começar a esboçar um pensamento estratégico para a eventualidade de termos de enfrentar os desafios impostos por esta pandemia.
Não temos a intenção de apontar o dedo a ninguém porque estávamos e estamos perante uma situação nova que, até a OMS, parece ter sido pego de surpresa e foi se evoluindo na interpretação do que se estava a acontecer.
Depois da notificação do primeiro caso no país foram tomadas medidas que parecem ser ajustadas à situação do país e, medidas essas, tiveram o condão de atrasar, por algum tempo, a propagação da doença e, nesse aspeto, temos que reconhecer que o Governo começou por agir bem.
Entretanto, falhas e erros foram cometidos na implementação das medidas que parecem pôr em causa a estratégia inicial e, o que parecia estar sob controlo, rapidamente, nos escapou das mãos, fazendo aumentar o número de testes positivos particularmente em Santiago e na Boa Vista.
Passamos para a fase de transmissão comunitária e, segundo as autoridades, os casos, a partir de agora, vão aumentar e, ao que tudo indica, com fortes pressões sobre os estabelecimentos de saúde e seus profissionais.
Estamos em estado de emergência que implica uma série de restrições e condicionamentos na vida das pessoas, exigindo das autoridades medidas adequadas para garantir que as pessoas fiquem em casa sem privações que possam pôr em causa a sua sobrevivência.
O Parlamento foi chamado e disse presente, de forma unanime, autorizando a declaração do estado de emergência ou autorizando a sua prorrogação ou aprovando ainda um pacote de iniciativas legislativas propostas pelo Governo, para dar todos os instrumentos possíveis ao executivo para as mais diversas respostas de cariz sanitária, económica e social.
Há queixas e reclamações de alguns atrasos na implementação das medidas e de um eventual excesso nos procedimentos burocráticos o que poderá levar-nos a refletir se não será necessário pôr de pé um mecanismo de acompanhamento, pelo Parlamento, da execução das decisões tomadas no âmbito do estado de emergência no país.
No âmbito estritamente sanitário devemos discutir com toda a serenidade e tranquilidade a questão da aplicação dos testes para comprovar a verdadeira situação do país e podermos tomar as medidas que se impõe.
Estamos a falar de um leque de teste mais alargado, como vários países estão a fazer, no âmbito aliás das orientações da Organização Mundial da Saúde.
Se o país não dispõe de número suficiente de testes, compreende-se, mas, mesmo assim, deve procurar-se, através, de recursos próprios, dos organismos internacionais ou de cooperação bilateral mobilizar os meios necessários para se avançar com esta medida.
O mesmo se pode falar da utilização de máscaras que estão a normalizar-se em vários pontos do globo como mais uma medida para impedir a propagação do vírus.
Em matéria económica os operadores reclamam a necessidade de as soluções chegarem com maior celeridade e que sejam eliminadas as barreiras que se erguem entre as instituições e o sector privado, protelando as soluções para quando já não poder fazer efeito
Nesse aspeto aproveitamos para alertar o Governo para a necessidade de um tratamento igual, sem discriminação nem favoritismo para que todos possam aceder aos meios disponibilizados pelo Estado e por outras instituições para salvar o emprego, socorrer as empresas e fazer funcionar a economia.
Ainda com relação a estas medidas temos que ter a humildade para avaliar, serenamente se as soluções são as melhores, se as exigências são as mais justas e se de facto os objetivos projetados estão a ser atingidos.
Temos que poder cobrir todas as empresas e operadores, as micro e as pequenas, as individuais e as coletivas, as formalizadas e as informalizadas, para que ninguém fique de fora, desde os grandes operadores até chegar aos proprietários de táxis, donos de hiaces, proprietários de mercearias e bares, vendedeiras ambulantes, rabidantes e todos que procuram um ganha-pão para o sustento das famílias.
Do ponto de vista social é obrigação do Estado acudir as pessoas de baixo rendimento que, numa situação de confinamento, viram as suas vidas, de um dia para outro, a desandar e passaram a viver um verdadeiro pesadelo de não ter por onde pegar para armar as mesas para os seus filhos
Estamos a vivenciar um verdadeiro drama social onde pessoas, que já tinham ultrapassado a barreira da pobreza, voltam a não ter rendimentos sequer correspondentes ao do limiar da pobreza.
Esta crise está a gerar uma nova situação de pobreza a nível mundial e Cabo Verde não foge à regra, com a agravante de termos vivido três anos consecutivos de seca, sem programas alternativos consequentes e sustentáveis para os agricultores e criadores de animais.
Neste momento, mais de nunca, é necessário investir na disponibilização de água para agricultura, para o consumo e para a higiene e, tendo em conta a situação das famílias, o Estado deveria ponderar a possibilidade da sua distribuição gratuita para que as pessoas possam ter acesso generalizado a este precioso líquido.
Há muita solidariedade e há muitas organizações que estão a apoiar as pessoas, mas é preciso aprimorar os mecanismos de contacto para que as mesmas possam aceder aos apoios disponíveis.
O número disponibilizado para contacto, se calhar por ser único, tem levado as pessoas ao stress e ao desespero sem poder contactar os responsáveis.
Temos que ter atenção particular com os estudantes do ensino superior, que já enfrentavam grandes dificuldades para assumir os compromissos com as propinas e que, agora com a perda de rendimentos dos pais e encarregados de educação, estão a braços para satisfazer os seus compromissos.
Entre os estudantes é bom ter em conta os que estão no exterior que poderão estar a ter dificuldades acrescidas ou os que, estando a formar-se nos estabelecimentos nacionais, estão deslocados das suas ilhas, longe das famílias e com compromissos de renda de casas, de alimentação e de propinas.
Para terminar senhor Presidente diria que os números a nível mundial são assustadores, há sinais que indiciam um aumento de atitudes egoístas entre os Estados, aqui e acolá, parece surgir sinais de quebra de solidariedade entre as Nações e, nesta luta, que deveria ser comum, tende a erguer-se barreiras entre os países.
Cabo Verde deve dar o sinal claro de que a luta é de todos e com todos para que venhamos a ter um mundo mais unido, mais justo e mais solidário.
Praia, 22 de abril de 2020
Rui Semedo – Líder da Bancada Parlamentar