Caras e caros Cabo-Verdianos no País e na Diáspora,
Nos termos da Constituição, dos Estatutos dos Deputados e do Regimento da Assembleia Nacional estamos aqui, mais uma vez, para utilizar o instituto das interpelações ao Governo e tentar esclarecer aos cabo-verdianos qual é, na verdade, a real situação do país no que, aos transportes, dizem respeito.
Ao que tudo indica o Governo e a maioria que o suporta, em matéria dos transportes, vieram com muita sede ao pote que, em vez de matar a sede, quebraram o pote, derramaram água mas não querem molhar os pés.
Está à vista de todos que ficaram encharcados e atolados num processo que se tornou pantanoso, pegajoso, com agravante de ser ruinoso para o país e para os operadores nacionais.
Começaram com a Binter, deram voltas, negaram o fornecimento dos dados, não divulgaram os contornos dos negócios, entregaram, de bandeja o mercado doméstico, em regime de monopólio de facto, esconderam as informações essências e esqueceram-se dos verdadeiros interesses de um país insular que precisa criar todas as condições para garantir a circulação das pessoas e bens e fazer fluir o negócio para a felicidade e bem-estar dos cabo-verdianos.
Depois veio a saber-se, pela boca do Primeiro-Ministro que não existe contrato o mesmo que afirmar que um negócio de Estado foi feito como se de negócio de cavalheiros se tratasse, boca a boca, na surdina e sem compromisso oficial, preto no branco, como manda a Lei.
Ao não fornecer informações pertinentes, ligadas a este sensível dossier, o Governo violou, de forma clara, intencional e deliberada, os fundamentos de um Estado de Direito Democrático ao mesmo tempo que pós em causa os princípios da boa gestão, da transparência, do rigor e da prestação de contas nos negócios públicos.
Com relação ao mercado doméstico, mais cedo do que se pensava, a realidade veio dar razão às preocupações do PAICV em como a situação de monopólio não era benéfica para o país e o Governo, sem dar mão à palmatória, tentou corrigir o erro criando condições para entrada de um outro operador nas linhas inter-ilhas, mas sempre sem prestar as informações necessárias, sem seguir, com rigor, as normas e o resultado é este, arranca e para, que se vê, sem dar a conhecer ao público o que realmente estará a acontecer.
Tal como se previa também o Governo, com a sua decisão atabalhoada, deu forças desproporcional a uma única companhia que começou a falar grosso com o Executivo, ameaçando até bater com as portas e deixar-nos, literalmente, a ver aviões.
Tal como denunciamos, atempadamente, foram desencadeadas ações no sentido da fragilização da autoridade reguladora do sector que perdeu a competência de interferir na fixação dos preços.
Como se sabe, com o Decreto-lei n.º 54/2019, de 10 de dezembro, o Governo retirou da Agência de Aviação Civil a competência de fixar os valores das tarifas de referência aplicadas ao transporte aéreo doméstico de passageiros.
Este grande golpe na regulação do sector aeronáutico fez passar competências da autoridade regulação diretamente para as mãos do Governo o que, até a bem pouco tempo, era impensável.
Uma outra consequência visível é a situação de falta de oferta para voos de uma ilha par outra, principalmente, em épocas altas ou como se viu por ocasião de eventos, como o carnaval, por exemplo, com situações até hoje por resolver.
Quando, talvez inocentemente, pensávamos que os erros cometidos com a liquidação dos TACV e a entrega de mão beijada do mercado doméstico serviriam de exemplo para outras negociações, eis que, num mesmo modelo, com a mesma displicência e com o mesmo desprezo para os bens públicos, se entrega os TACV Internacional, à Icelandair, a preços de promoção e que os cabo-verdianos conhecem como preço de moia.
Os meandros do negócio continuaram a ser pouco claros e sem qualquer transparência, numa transação sem concurso público, onde Cabo Verde se pôs a jeito para ser manobrado e se calhar engando por negociadores que só sabem ganhar.
Só isso justifica que 51% da antiga TACV seja vendido fiado por apenas 48 mil contos, enquanto que, segundo o Secretário de Estado, Gilberto Barros, do resultado da venda do equivalente a 2,65% do total de ações aos trabalhadores, o Estado teve um encaixe financeiro de 31,4 mil contos.
Se repararmos bem 2,65% corresponde quase ao valor dos 51% entregues a Icelandair e aqui dá para ver que ou as contas não estão bem-feitas ou os homens das ilhas geladas aconchegaram-nos num grande abraço com as coxas de gelo.
A situação tornar-se-ia ainda mais evidente com o encaixe de mais de 108 mil contos previstos a ser arrecadado com a venda de 7,65% das ações à nossa diáspora o que significa que 7.65% de ações valeram mais de dobro do valor de 51% entregue à Icelandair.
Se as contas estão mal feitas a culpa é do Secretário de Estado das Finanças que tem lidado de perto com o Vice-Primeiro Ministro que também antes das eleições tinha as contas todas feitas.
Senhores Membros do Governo aproveitem esta interpelação para nos introduzirem nos parâmetros desta contabilidade.
Como se justifica que os nacionais paguem mais por menos, num bem que é nosso, construído por nós?
Como é possível 7,65% valer mais do que 51%? Expliquem-nos isso com toda a paciência para entendermos bem e podermos esclarecer o povo.
As operações internacionais continuam com custos elevados, muito superiores aos concorrentes diretos, com prejuízos acumulados principalmente em algumas linhas que, nalguns voos, funcionam quase só com a tripulação e não nos estranha que algumas rotas estejam a ser fechadas.
Desde muito cedo o Governo tinha assumido que iria acabar com as rotas da “sodade” porque queriam era mobilizar outros passageiros e, com o andar da carruagem, vão ficar com saudades da rota da “sodade”.
A maioria e o Governo continuam a dizer que todo o mundo está contente menos o PAICV e nós perguntamos:
- Por acaso chegaram a falar com os pilotos que deixaram de trabalhar na companhia reestruturada?
- Já falaram com os pilotos que ficaram e assintem, no dia-a-dia, o descalabro do património que ajudaram a construir?
- Procuraram saber a situação das famílias desestruturadas ou destruídas com a mudança de residência para Sal?
- Procuraram saber da situação dos profissionais de cabine que foram morar no Sal?
- Sabem dos esforços feitos para preservar os bens adquiridos antes desta mudança e dos compromissos com a banca?
- Já procuraram saber do drama dos que enfrentam atrasos de vencimentos?
- Acham que todas essas pessoas estão satisfeitas e felizes?
Com relação dos transportes marítimos nada deu certo até este momento e o que sabemos é que se desenhou um modelo de concessão para deixar de fora, de forma intencional e deliberada, os armadores nacionais.
Tudo indica que a concessionária já estava previamente escolhida antes e, só isso, justifica a fixação de exigências que os armadores nacionais não podiam cumprir e que, ao que veio a verificar-se, nem os estrangeiros escolhidos estão em condições de cumprir.
O caderno de encargos foi proibitivo para os armadores nacionais, mas simpático e generoso para os outros armadores.
Depois do concurso os termos do caderno de encargos foram arquivados e esquecidos e dos barcos novos nem se fala, das cinco embarcações houve uma mitigação para três e para demonstrar mesmo o caracter do negócio, funcionou-se apenas com os que já existiam que eram propriedades dos armadores nacionais, aqueles que foram arredados do concurso.
Pisou-se, claramente, na legalidade, marimbou-se na transparência e ignorou-se, por completo, os interesses nacionais e o Governo, que nem Pilatos, lava as suas mãos e finge não tomar conhecimento do que está a acontecer.
São anunciados aquisição por compra de navios que até ainda não foram adquiridos e a maioria vem nos dizer que aluguer e compra são a mesma coisa, um sinónimo de outro.
São fixados prazos que vão se esticando, até não poder mais, e o Governo encarra isso com a maior naturalidade deste mundo.
Adquire-se um navio adaptado ao nosso mar que vem diretamente para a doca para ser adaptado a nossa realidade, em fim nada dá certo e vamos esperar para ver no que irá dar este entusiasmo e otimismo exacerbado de uma maioria que vê tudo a cor-de-rosa, que me perdoe a Líder Parlamentar, que também é Rosa, apesar de ser Joana.
Minhas Senhoras e meus Senhores
Nos transportes rodoviários também a situação não é das melhores porque os proprietários pagam mais ao Estado, pagam mais imposto, continuam a pagar o imposto de circulação, continuam a pagar às Finanças, continuam a pagar a taxa de manutenção rodoviária, pagam mais nos alvarás, tem que pagar os seguros que é uma garantia e, agora, pelo menos na ilha de Santiago, vão ter que pagar, sem uma legislação específica, a taxa dos pontos de paragem que, se fizermos bem as contas, podem representar um custo a mais que ultrapassa os 80 contos por ano.
Os taxistas queixam-se, os Hiacistas queixam-se, os camionistas queixam-se e a maioria no poder, diz que apenas o PAICV que não está contente.
A Câmara da Praia que perseguiu os taxistas reclamando-se das procurações, manda chamar, neste ano de campanhas e engodos eleitorais, todos aqueles que detém as tais procurações, tão odiadas nos anos anteriores.
Senhores Membros do Governo e senhoras e Senhores da maioria
O quadro real é este, podem pintá-lo com todas as cores e com todos os brilhos, mas a pintura da vossa fértil imaginação não muda a realidade da vida das pessoas.
Muito obrigado.
Praia, 04 de março de 2020
Rui Mendes Semedo