Hoje estamos aqui mais uma vez para voltar ao tema da segurança, um tema que nos é muito caro a todos, porque mexe com os nossos sentimentos de filhos de um país onde, há escassos anos, as pessoas podiam dormir tranquilas no alpendre das suas casas, nas suas varandas, nos seus terraços ou até na rua das suas humildes, mas tranquilas e seguras, habitações.
Estamos a falar daquele tempo em que as portas sequer precisavam de fechaduras, em que as grades inexistiam, em que as cercas eram apenas para constar, em que os muros eram para se proteger dos animais, em que determinados bens poderiam ficar na rua e amanhecerem intocados e inviolados, aquele tempo em que a dignidade e o respeito se acasalavam voluntariamente para dar lugar ao carácter.
Hoje, infelizmente, esta imagem está a ficar cada vez mais distante, perdida nas memórias de uma inocência ultrajada, de uma esperança frustrada, de um sonho desviado e de uma realidade cruel daquelas que tira o sossego, viola os pactos do bem conviver e apoquenta as almas.
Estamos a voltar a este tema por dever de memória, por responsabilidade de um cidadão que foi investido de poderes de representar o povo e para romper este silêncio, às vezes, ensurdecedor, em torno dos casos que teimam em perseguir as nossas consciências e impedir-nos de acomodar nos recantos de um imobilismo cúmplice e criminoso.
Estamos a fazê-lo também por dever de memória em honra a todas aquelas crianças desaparecidas que ainda aguardam pelo esclarecimento dos seus mistérios sumiços, pelos adultos que saíram e nunca mais voltaram para as suas casas, pelos corpos encontrados abandonados de mulheres homens assassinados e abandonados como se de lixo se tratasse, pelos inquéritos e investigações mandados instaurar que nunca saíram das profundas e recheadas gavetas.
Estamos a fazê-lo também para que as autoridades não tirem da agenda das investigações estes casos graves que marcaram e continuam a marcar a vida das pessoas e das famílias que viram os seus entes queridos desesperarem, mas que acalentam algum sonho de ver os casos totalmente esclarecidos e a justiça realizada com identificação e punição dos culpados.
Aqui convém ressalvar que não devemos ter atitudes diferentes perante situações de criminalidade, porque um crime é sempre um crime, independentemente do lugar onde for cometido, de quem as cometeu e das circunstâncias envolventes.
Estamos a fazê-lo ainda porque não nos conformamos com a morte de dois agentes policiais em situações muito nebulosas, deixando no ar a ideia de que a criminalidade organizada poderá ter infiltrado as instituições e que a ousadia dos criminosos aumentou de tom e que, mesmo aqueles que nos deveriam proteger, se encontram vulneráveis e desprotegidos.
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Ultimamente a situação da segurança deu claros sinais de stress e de perda de controlo, apesar de todos os investimentos anunciados, apesar do acarinhado programa cidade segura, apesar das motivações decretadas e apesar das garantias do Governo em como a situação se encontra sob controlo e que os casos seriam todos esclarecidos.
No mês de Dezembro, ou se quisermos na quadra festiva, a nossa cidade foi novamente invadida por uma onda desmedida de assaltos às pessoas nas ruas ou nas residências, violando a integridade física das pessoas, subtraindo as pertenças e os valores encontrados, apavorando a cidade e os cidadãos e semeando o pânico e o medo.
São vários os episódios narrados, com registos de assaltos à mão armada, de agressão física, de troca de tiros ou de violências de outra natureza que, claramente, contribuíram para o aumento da percepção de insegurança e para construção da ideia de que as ruas constituem espaços de risco.
Nesta onda de assaltos não ficaram imunes nem as autoridades, nem as personalidades, nem as instituições, nem os turistas e muito menos os bens ou as propriedades individuais que são alvos privilegiados.
Registamos, com preocupação, o incidente do Bairro de Moinhos onde delinquentes e agente policial se confrontaram, faleceu um dos presumíveis delinquentes e não se sabe das démarches posteriores no sentido de um cabal esclarecimento e da devolução da população das sua estabilidades e paz social.
O que se sabe é que, mesmo no ato do funeral da vítima, grupos hostis se confrontaram e não pouparam nem a casa de culto colocando seriamente em risco a integridade física daqueles que quiseram acompanhar o defunto nas cerimónias que o conduziria ao seu último poiso.
Os últimos episódios destas duas últimas semanas também tem todos os condimentos para não nos deixar tranquilos porque, primeiro, registamos um assalto ou uma agressão violenta e altamente mediatizada e, segundo, ao que consta, três presumíveis assaltantes foram mortos, em plena acção de violação da propriedade alheia, não se sabendo por quem, nem como e muito menos se se tem as pistas suficientes para o desvendar de mais estes acontecimentos trágicos.
Nesses casos concretos, paira no ar a desconfiança e questionamentos diversos que inquietam ainda mais as pessoas. Será que foram mortos pelas autoridades nas operações de protecção dos cidadãos? Será que foram mortos pelas vítimas dos assaltos? Será que foram mortos por cidadãos que se auto-organizam para combater, por meios próprios, a criminalidade? Ou será que estamos perante mortes acidentais.
Qualquer resposta afirmativa conduziríamos à conclusão de que a confiança na Justiça estaria posta em causa e que estaríamos perante uma grande ameaça aos valores do Estado de Direito Democrático.
A situação de insegurança hoje é reconhecida por todos e já não é possível tentar tapar o sol com a peneira e atribuindo as culpas à oposição que não se silencia e denúncia os factos e acontecimentos.
Hoje até o Presidente da República começa a manifestar preocupação com a situação vigente e mesmo o Governo não conseguiu disfarçar inquietação com os acontecimentos recentes, promovendo uma reunião de emergência, anunciando ao país um leque de catorze medidas das quais ainda se desconhece os seus efeitos práticos.
É de se lembrar que quando o Governo anunciou aquelas medidas assumiu um compromisso público de trazê-las ao Parlamento, se não me falha a memória, até Dezembro, para se promover as alterações legislativas pertinentes para se fazer face à grave situação.
A verdade é que o Dezembro terminou, o Janeiro entrou e está a caminha de ceder lugar a Fevereiro e ainda “nem fumo nem mandado” sobre o paradeiro daquelas milagrosas duas séries de sete medidas.
A situação vivida nestes últimos dois ou três meses é muito grave e não poderá continuar assim, sem respostas adequadas, sob pena de perdermos totalmente o controle e caminharmos para um quadro de irreversibilidade com consequências imprevisíveis para o futuro destas ilhas.
Esperamos que o Governo haja rapidamente e mobilize todos os recursos no país e, se for necessário, no exterior, para devolver aos cidadãos o direito de viver livres, na paz e na tranquilidade.
Sem segurança não há liberdade e sem liberdade não há democracia.
Para terminar repetimos mais uma vez: a segurança é uma questão de todos e é um bem essencial de qualquer sociedade e, por isso mesmo, renovamos a nossa disponibilidade para colaborar em tudo que seja necessário e nos for solicitado para termos um país onde todos nos sintamos seguros.
Praia, 23 de Dezembro de 2020
Rui Mendes Semedo - Líder da Bancada Parlamentar do PAICV