Já se tornou uma prática, juntarmo-nos no dia 13 de Janeiro, nesta Casa do Povo, para celebrarmos este dia que foi escolhido para simbolizar as conquistas da liberdade e da democracia.
Este é, de facto o dia em que se realizaram as primeiras eleições concorrenciais em Cabo Verde, depois de um período relativamente curto, mas muito fecundo, de estruturação da edificação legal e institucional das bases do pluralismo político.
Foi um período vivido com muita paixão e, como tal, é natural que, sobre ele e sobre todo o processo, sobre os actores, sobre os actos, sobre as atitudes, possa haver leituras diferentes, principalmente se se tiver em conta que é um período ainda muito perto de nós e que, de uma forma ou de outra, são leituras feitas por pessoas que viveram esta época e que se socorrem do arquivo da sua memória para registar a sua interpretação.
Temos que partir, desde logo, do princípio que os políticos não são historiadores e que as leituras são todas legítimas e que não há nenhuma voz privilegiada para interpretar os factos e colocá-los nos supermercados de consumo obrigatório.
Tenho por mim, que até o espírito da liberdade e da democracia, nos devia conclamar para este nível de tolerância e de respeito pelas ideias e opiniões dos outros. As ideias de cada sujeito são diferentes e podem ser também complementares.
Cabo Verde durante esses anos da sua existência fez um percurso, a todos os títulos, notável e é elementar, sem perdermos de vista os nossos erros e falhas, pormo-nos de acordo sobre os ganhos desta Nação e deste povo que enfrentou, com optimismo e determinação, todos os tipos de adversidades.
Eu atrever-me-ia a dizer que é necessário reconciliarmo-nos com o nosso percurso e fazermos as pazes com a nossa história porque ela existe independentemente da nossa vontade, do nosso desejo, das nossas angústias ou das nossas alegrias e tristezas.
No nosso percurso, 13 de Janeiro afigura-se como uma data importante e carregada de significado para esta Terra que sempre perseguiu valores da liberdade, da justiça, da aceitação do outro e das suas diferenças e sempre valorizou a dimensão da dignidade humana.
Seria bom se assumíssemos, por inteiro, todas as datas da República e passássemos a dedicá-las toda a honra e dignidade que merecem. As datas todas elas são inocentes, quem poderá não ser inocente é quem as escolheu e quem as comemora.
Reafirmo aqui que para o PAICV as datas de 13 de Janeiro, 20 de Janeiro e 05 de Julho são datas que merecem ser assinaladas porque, para além das escolhas que recaíram sobre elas, carregam com elas marcas que simbolizam acontecimentos relevantes que marcam Cabo Verde para sempre.
Reafirmo também que para o PAICV a independência é a conquista maior do povo cabo-verdiano, edificação sobre a qual se alicerçam as outras conquistas para o engrandecimento da Nação e para a qualificação do nosso percurso enquanto povo soberano.
Para o PAICV 13 de Janeiro de 1991 é o culminar de um processo iniciado a 19 de Fevereiro do ano de 1990, data da qual pouco se fala, mas que marca o início do processo da transição para o multipartidarismo em Cabo Verde.
Se quisermos falar toda a verdade temos que anotar e considerar este impulso para a construção da democracia, dita liberal, que se fez implantar, com sucesso, nestas ilhas.
Nunca é demais reconhecer que a mudança política em Cabo Verde decorreu num ambiente de estabilidade, de paz social, de previsibilidade e de envolvimento de todos como a sociedade, as organizações políticas e sociais e todas as instituições chamadas a regular, a conduzir e a fiscalizar o processo e isso só foi possível graças à postura dos atores políticos, principalmente dos detentores do poder, na ocasião.
Nota-se claramente que a sociedade estava à espera desse acontecimento e por isso mesmo deixou desabrochar e expandir todas as suas energias que permitiram a emergência de movimentações sociais que conduziram ao surgimento de organizações políticas nascidas para confrontar um partido que já estava instalado.
É nesse contexto que surge o Movimento para a Democracia que capitalizou, de forma extraordinária, a dinâmica social e cavalgou, habilmente, a onda, ousaria dizer, avassaladora, da mudança política e mobilizou, a seu favor, a vontade de se protagonizar a alternância do poder.
Repito aqui o que tinha dito no ano passado “Muitos falam do sucesso da nossa transição para a democracia e muitos questionam do segredo desta caminhada bem-sucedida num período bastante curto quando se sabe que noutros quadrantes os processos foram bem dolorosos e, outros, até sangrentos.
Muitos ingredientes terão contribuído para que tudo tivesse acontecido na normalidade e com uma certa naturalidade e, sem a pretensão de substituir os historiadores e outros investigadores, ousaria enumerar alguns como a maturidade da classe política, a lucidez e a visão dos lideres políticos de então, o nível de tolerância da sociedade cabo-verdiana, a boa fé dos que governavam na altura, a colocação dos interesses dos país acima das ambições e das vaidades pessoais e a definição clara das regras do jogo.”
Quando se está perante um processo, necessariamente, estamos também perante protagonistas e, tendencialmente, intencionalmente ou não, desenha-se na nossa sociedade a ideia de considerar protagonistas da democracia apenas os que ganharam as eleições a 13 de Janeiro de 1991, tanto é certo que para falar de 13 de Janeiro ou da nossa transição para a democracia apenas são chamados antigos destacados membros do MPD de então.
Essa perspectiva, para além de injusta é redutora e não permite uma leitura mais completa desse processo que marca a vida do país após 1990 e lança as sementes para a democracia que celebramos hoje.
Se queremos ser justos, temos de reconhecer que tudo começou ainda antes sequer da existência do Movimento para a Democracia, cujo germe poderia estar latente na sociedade, mas que só veio a desabrochar após o clique de 19 de Fevereiro.
Podemos e devemos reconhecer o papel impulsionador dos dirigentes do MPD liderados por Carlos Veiga porque fizeram parte do processo e abraçaram um projecto vitorioso, mas, não obstante a história, tendencialmente falar dos vencedores, não devemos nos esquecer daqueles que estiveram na origem da abertura política.
Assim, permitam-me render a minha homenagem a figuras como Aristides Pereira e Pedro Pires que encaram o processo de transição com lucidez, com responsabilidade e com patriotismo.
Pedro Pires entendeu, desde de cedo, que as mudanças deveriam acontecer no quadro institucional para não beliscar a estabilidade, a imagem e a credibilidade de Cabo Verde e para assegurar a paz e a segurança das pessoas e preservar as conquistas do país que tinha, na altura, apenas 15 anos de independência como Estado soberano.
Só um estadista deste quilate poderia ter um pensamento dessa dimensão estratégica que colocasse os interesses do país acima de todos os outros interesses.
Esse entendimento permitiu gerir um ambiente naturalmente tenso, criar espaços de diálogo e de entendimentos, fomentar a criação das condições legais e institucionais que contou também com a prestimosa contribuição dos Deputados da Nação do Parlamento liderado na altura por Abílio Duarte.
Hoje podemos reafirmar que a chave do sucesso do nosso processo de transição relaciona-se também com a boa fé e a preocupação sincera com os supremos interesses de Cabo Verde.
Fizeram-se a 13 de Janeiro de 1991 as primeiras eleições concorridas e elas foram universais, justas, transparentes e livres o que nos orgulha a todos que directa ou indirectamente tiveram responsabilidades no processo, mas também enquanto cabo-verdianos.
Permitam-me também render homenagem ao Presidente Mascarenhas Monteiro, que exerceu as suas funções de mais alto Magistrado da Nação com competência, responsabilidade e equilíbrio, num contexto de algum radicalismo por parte da maioria que governava o país.
Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e meus Senhores:
O que fizemos já está feito e a preocupação de hoje é ver, com olhos de ver, o que fizemos bem para continuarmos a fazer, onde falhamos para evitarmos os mesmos erros e identificarmos os verdadeiros desafios de hoje para serem enfrentados com sucesso.
Devemos comemorar os ganhos, celebrar as vitórias, mas nunca dormirmos à sombra dos nossos êxitos do passado e isso obriga-nos a analisarmos de forma permanente e profunda os instrumentos de aprimoramento da qualidade da nossa democracia.
Temos que poder ir para além da democracia formal, cumprindo todos os rituais das melhores práticas e chegar ao nível de uma participação mais intensa, mais regular e mais responsável dos eleitores em todas as fases do controlo e da fiscalização da acção governativa.
Os ganhos conseguidos ao longo destes anos devem servir-nos de alento para continuar esta caminhada no sentido de ir trabalhando para a qualificação da nossa democracia enquanto um projecto sempre em construção aberto a contribuição de cada um de nós de acordo com as experiências vividas no país mas também com as experiências dos outros.
Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e meus Senhores:
Como todas as outras democracias, a nosso também tem falhas e é necessário trabalhar no sentido de corrigir as falhas e abrir-se a inovações que contribuam para afinar os mecanismos de participação.
As nossas grandes falhas relacionam-se mais com a atitude dos sujeitos de que com aspectos legais e formais.
Estamos a ter falhas nos mecanismos de transparência e prestação de contas, apesar de termos leis modernas que estabelecem as regras de prestação de contas.
Continuamos a ter falhas na disponibilização de informações para permitir que a oposição exerça o seu papel de fiscalização e controlo da acção do executivo e permitir também a sociedade saber o que está sendo feito com os recursos de todos.
Continuamos a registar actos que configuram tentativas de instrumentalização e manipulação da Comunicação social pública, pondo em causa a liberdade de imprensa.
Continuamos a presenciar discursos que propugnam a eliminação do outro, o discurso da intolerância e o discurso da arrogância.
E, nesse aspecto, queria lembrar a todos que, em democracia, ganhar ou perder não pode significar a rejeição ou a eliminação do outro ou das suas ideias. Em democracia ganhar ou perder significa escolhas, significa preferências, significa opções diferentes numa determina conjuntura ou num determinado momento.
O PAICV rejeita e devolve à procedência todos os mimos a ele dirigidos nos momentos mais acalorados do debate político e não aceita os epítetos de populismo e de demagogia que se quer colar à sua imagem porque estamos a falar de um partido com ideais nobres que se mobiliza em torno de causas, baseado em valores e princípios.
Continuamos a ter falhas graves no domínio da segurança que põe em causa a estabilidade e a paz sociais, condiciona a tranquilidade dos cidadãos e limita a liberdade das pessoas.
Continuamos a ter problemas com o acesso ao emprego, à saúde, à educação e à uma justiça mais justa e mais célere para todos.
Continuamos a ter graves problemas de habitação apesar de todo o esforço feito no sentido de garantir melhores condições de habitação habitabilidade das pessoas, principalmente as de baixa renda.
Estes problemas sociais condicionam grandemente o nível de liberdade e a qualidade da nossa democracia pelo que o poder público está desafiado a ter um programa coerente para fazer face a esses desafios.
Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e meus Senhores:
Antes de terminar queria render homenagem a dois factos:
Primeiro o reconhecimento da morna como património imaterial da humanidade o que demonstra a grandeza da criação do povo destas ilhas que doou ao mundo um produto tão sublime que reflecte o sentir da alma de uma Nação, capaz de tocar o coração do mundo.
Segundo é a nomeação de Amílcar Cabral entre os grandes da história da Humanidade o que nos enche de orgulho porque valoriza o nosso percurso histórico, contribui para um maior conhecimento do nosso país e faz justiça a este vulto da história recente de Cabo Verde.
Estes dois factos demonstram que Cabo Verde é, realmente, um país especial que se projecta muito para além do seu tamanho para despertar a atenção do mundo.
Um país que consegue estes feitos só pode ser livre.
Viva a Liberdade!
Viva 13 de Janeiro!
Viva Cabo Verde!
Rui Semedo – Líder da Bancada Parlamentar do PAICV