Estamos no mês de março, quase no final do 2º trimestre do ano letivo e gostaríamos de trazer para a nossa reflexão os termos que no mês de outubro utilizamos para caracterizar o arranque deste ano letivo e a insensibilidade deste governo no que concerne ao processo ensino/aprendizagem. Tínhamos afirmado que estávamos perante o pior arranque do ano letivo que Cabo Verde, enquanto país livre e independente conheceu.
O ano letivo ficou marcado pela falta de professores, falta de sala de aulas, alunos nos contentores e terem aulas, falta de manuais escolares, falta de legislação que regula o propalado agrupamento escolar, falta de legislação que regula a avaliação das aprendizagens, ausência total da Inspeção de Educação na supervisão do arranque do ano letivo, o não diálogo com as gráficas nacionais, concurso docente que nunca saem os resultados, escolas sem mínimas condições higiénicas, enfim, um mar de problemas que ninguém recordava, sobretudo se levarmos em consideração os ganhos conseguidos na educação em Cabo Verde.
Senhor Presidente,
O PAICV não gostaria de no mês de março fazer uma nova declaração política para referir aos problemas mencionados no início do presente ano letivo. Voltamos a questão porque o assunto é sério. Capacitar homens e mulheres que na verdade constituem o maior e o melhor recurso do nosso país merece uma dedicação exclusiva de qualquer governo, porém, como a atual maioria está preocupado com outros negócios que a seu ver são mais rentáveis, relegou a educação e a formação dos homens e das mulheres destas ilhas para o segundo plano, regateado num silêncio místico e numa apatia nunca antes visto.
O Governo propalou a sete ventos que este ano letivo seria o de implementação do ensino obrigatório, nova metodologia no ensino e novo sistema de avaliação, contudo, os materiais de suporte que é bom, como diz o ditado popular: “nem fumo nem mandado”. O ano letivo caminho a passos largos para a reta final e os manuais escolares que deveriam dar suporte a nova abordagem pedagógica, uma boa parte ninguém sabe em que gráfica ainda deve estar entalado, se calhar, não há ‘sistema’. Outros tantos trouxeram erros e foram retirados do mercado. A tão propalada tese de manuais escolares online, quando entras no site do ministério, são todos documentos experimentais e de difícil acesso.
Senhoras e Senhores Deputados,
O programa de governo preconiza uma educação de excelência. Mas, como é possível uma educação de excelência quando no mês de março, ou seja, no final do 2º trimestre do ano letivo 2018/2019 o governo no sector da educação ainda não conseguiu resolver os seguintes problemas:
a) Falta de manuais escolares e outros materiais didáticos que suportam uma educação de qualidade;
b) Falta de professores obrigando os mesmos a um moroso desdobramento, tendo alguns que percorrer quilómetros de distância com prejuízos para a escola, para os alunos, para os pais e encarcerados de educação e para os próprios professores;
c) Estamos no mês de março e ainda não temos uma legislação básica que suporta o processo de avaliação das aprendizagens, chegando os mesmo a serem feitos por via de circulares e orientações avulsas, chegamos ao ponto de ter três orientações sobre a avaliação, num mesmo ano letivo, muitas vezes contrárias ao estipulado na lei. Nomeadamente, no que tange às percentagens dos elementos da avaliação sumativa (quem tiver dúvida, é basta confrontar as várias orientações emitidas pelo ME, desde 2016, com a lei da avaliação de 2015, ainda em vigor;
d) Como é possível uma educação de qualidade e excelência, quando no mês de março, no final do 2º trimestre reina ainda a maior confusão no sistema educativo com o chamado agrupamento escolar em que depois de uma ‘inventona’ durante 2 anos, eis que aparece uma lei avulsa a regular o processo da criação dos Agrupamentos Escolares. Uma lei feita à pressa (porque o ME andou na ilegalidade desde 2016), sem auscultar os principais interessados/destinatários, encarregados de educação, professores, gestores, diretores, especialista em educação. E, um modelo que não serve ao país. Basta conversar com os diretores e gestores das escolas, que por conveniência ou "impedimento" podem não dizer aos dirigentes máximos da educação.
Senhor Presidente;
Este governo é insensível aos alunos mais carenciados e as suas dificuldades. Senão vejamos: num ano particularmente difícil no mundo rural e não só, fustigado por 2 anos de seca consecutiva, em que muitas famílias estão abandonadas à sua sorte, porque o programa de mitigação dos efeitos de seca e mau ano agrícola ainda não saiu do papel e do discurso vazio desta maioria, a implementação do Agrupamento Escolar vem acarretar as despesas das famílias com a educação. Num governo com sensibilidade social e com rosto humano nunca poderia acontecer fazer descolar crianças em tenra idade em condições precárias para assistirem as aulas, sem suportar uma cadeia de transporte organizado ou subsídio de transporte aos alunos e refeição quente nas escolas. Neste momento as famílias rurais queixam de mais uma despesa colocada de forma abrupta, precipitada e o sacrifício a fazer não representa ganho algum. Em termos pedagógicos notamos uma confusão e uma desorientação em todos os concelhos, porque ninguém sabe o que terá de fazer, tendo situações em que temos agrupamentos escolar, com a figura do coordenador pedagógico residente no Agrupamento e a antiga figura do gestor de Pólo, tudo numa teia de distribuição de favores e de tachos.
Como é que se fala numa educação e formação de qualidade quando se introduz o Agrupamento Escolar e o novo modelo de gestão dos estabelecimentos educativos e só passados 2 anos é que a legislação aparece de modo muito descoordenado?
e) Como falar numa educação de qualidade quanto todos esses problemas acontecem no mês de março e a inspeção de educação nem ata nem desata, ou seja, não cumpre o seu papel. A inspeção, é o garante do cumprimento da legalidade. Sobre a ilegalidade do funcionamento do agrupamento desde 2016, nunca disse nada. Sobre a questão dos manuais que até ainda não estão todos disponíveis, também mantém-se calado. É de se questionar, o quê mesmo tem feito a inspeção!? De salientar que desde que o MPD ganhou as eleições a Inspeção de Educação não tem visitado as Escolas no início ou durante o ano letivo para as inspeções pedagógicas e administrativas. E ainda hoje, estamos a espera do inquérito que o Ministério de Educação mandou instaurar no processo dos manuais de ‘matimática’ que continham erros gravíssimos .
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados;
O Parlamento não poderia ficar calado perante tamanho descaso na Educação em Cabo Verde. Estamos no 2º trimestre e ainda temos alunos em Chã da Silva, Concelho de Santa Cruz a terem aulas em Contentores quase 2 anos, sem casas de banho, sem condições nas cantinas para a confeção das refeições. Temos ainda, obras em muitas escolas pondo em perigo a segurança dos alunos e de toda a comunidade educativa.
Um outro problema candente é no ensino superior. Não temos aumentos de número de bolsas de estudo, as famílias, sobretudo no mundo rural vem enfrentando problemas de natureza complexa, sem meios para custearem a formação dos seus filhos, nomeadamente propinas, transportes e alojamento.
As universidades veem assim, os seus ativos que são os alunos a desistirem acarretando responsabilidade para com a instituição de ensino superior e os seus servidores. Tudo isso passa à vista de todos, menos deste governo insensível para com os estudantes em vários subsistemas de ensino.
Senhor Presidente,
Para o PAICV, como as coisas estão na educação não pode continuar e para tanto urge uma tomada de posição o quanto antes e a responsabilização dos culpados. Da nossa parte, cabe-nos enquanto oposição denunciar a situação e deixar as linhas orientadoras ou sugestões para o próximo ano letivo 2019 / 2020.
Eis as sugestões:
1 - O Governo deve ter um governante na área de educação com conhecimento da nossa realidade em todas as suas dimensões.
2 – O Ministério de educação com rosto humano e com sentido de responsabilidade deve lançar um concurso docente o mais tardar no mês de abril para criar uma bolça de competências em todas áreas de educação com validade de 2 anos.
3 – O Ministério de educação ativo e nunca reativo de modo responsável deve criar uma equipa de peritos nacionais que tem como missão fazer a revisão e a correção dos materiais pedagógicos, evitando erros de conteúdo e didático que causam prejuízos muitas vezes irreparáveis na capacitação dos recursos humanos.
4 – Neste ano bafejado pela seca e o mau ano agrícola, o governo deve fazer uma discriminação positiva aos estudantes do ensino superior das famílias mais carenciadas do mundo rural que vivem da agricultura e de criação de gado, pagando em 50% as suas despesas com a formação em todos os estabelecimentos de Ensino Superior.
5 – O Governo deve negociar com as gráficas nacionais os mecanismos de fornecimento de manuais escolares.
6 – O Governo deve arrepiar o caminho de anunciar a existência de manuais escolares online, porque na verdade não corresponde a nossa realidade, não dá resposta a maioria dos alunos e dos professores, sobretudo no mundo rural e acaba por pôr em causa as orientações pedagógicas modernas que é de criar nos alunos e professores o hábito de leitura e de contacto físico com os livros. Manuais online não serve ao nosso sistema educativo e muitos pais e encarregados de educação ficam impedidos de acompanharem e orientarem a educação e a formação dos seus educandos.
7 – O Governo deve começar a dar vazão ao que está estipulado no programa de governo que é conceder 10 bolsas anuais aos melhores alunos para frequentarem formação nas melhores universidades do mundo.
8- O Ministério de Educação deve mandar fazer uma inspeção urgente à todos os estabelecimentos de ensino público em Cabo Verde, tanto a nível pedagógico como também a nível administrativo e financeiro.
9 – O Governo deve arrepiar caminho em relação ao reagrupamento escolar, porque as suas consequências negativas para os alunos e as famílias, bem como para os professores são maiores do que as vantagens.
10 – O Ministério de Educação tem que criar um clima de confiança nas famílias e na comunidade educativa, porque o sistema de avaliação das aprendizagens deve ser credível, sólido e transparente, não deve mudar ao critério de ministros, tendo como único objetivo as estatísticas.
Assembleia Nacional, 15 de Março de 2019