O Governo não nos para de surpreender com declarações bombásticas, impensadas e pouco responsáveis.
Quando todos já pensavam, que sobre os TACV, tudo já tinha sido dito, eis que surge o Primeiro-Ministro de Cabo Verde a dizer, de forma categórica que em relação a ligação de e para S. Vicente, nas rotas internacionais, a decisão nem é administrativa nem política, lavando a suas mãos, que nem Pilatos, desresponsabilizando-se e transferindo todo o ónus para o mercado.
O Mercado! Coitado do mercado, que não fez campanha e nem prometeu nada a ninguém.
Para quem tinha todas as soluções para os TACV, fica complicado fugir às responsabilidades e proferir declarações complicadas.
Há alguns meses, confrontado com os problemas dos TACV, o Primeiro-Ministro tinha dito que não é gestor dos TACV!
Agora, confrontado novamente com a situação da inexistência de voos internacionais de e para São Vicente, o Primeiro-Ministro deixou a todos de queixo caído e no desamparado, colocando uma ilha, como São Vicente, à merce dos caprichos do mercado e da ditadura dos lucros como critério único para a política de transporte.
Aliás, esta declaração veio demonstrar e confirmar aquilo que o PAICV temia:
• Ou não existe política de transporte para um país arquipelágico, como Cabo Verde, onde deveria haver ideias claras sobre a coesão territorial, sobre a conectividade das ilhas, sobre a circulação normal e fluente das pessoas e bens e sobre o desenvolvimento do sector dos transportes enquanto fator potenciador do desenvolvimento económico e social das ilhas, individualmente, e do país, no seu todo;
• Ou, então, existem políticas erradas como a política por detrás desta decisão precipitada, imponderada e desajustada à nossa realidade de insularidade.
Andou muito mal o Senhor Primeiro Ministro quando se estribou, de forma superficial, apenas nos critérios da viabilidade comercial, da sustentabilidade das rotas e da eficácia financeira, quando os pressupostos que deveriam ser eleitos para a formulação desta decisão deveriam ser outros bem diferentes.
Isto é o critério fundamental para tomar esta decisão, que devia (e deve) ser o da existência de uma ilha, com pessoas, com atividade económica, com direito a integração nas dinâmicas de desenvolvimento nacional e internacional.
O critério mais importante da ligação deveria ser o da existência de pessoas, a quem devem ser garantidas possibilidades iguais e liberdade de circulação em condições, as mais favoráveis, tanto de comodidade, como de custo ou de preço a pagar.
Estamos a falar do direito da regularidade de circulação de pessoas de todas as ilhas pela transportadora nacional, onde estão investidos recursos de todos nós e que estão a financiar, de forma direta ou indireta, outros interesses, à custa do esforço dos cabo-verdianos.
Estamos a falar de uma decisão política de continuar a financiar linhas e rotas internacionais deficitárias, com os impostos pagos pelos cabo-verdianos, enquanto se nega o direito aos cidadãos nacionais de beneficiarem das mesmas prerrogativas.
Estamos a falar da decisão de deixar, de forma deliberada e intencional, a ilha de São Vicente fora da dinâmica nacional e fora da cobertura da transportadora nacional de bandeira, mesmo antes da privatização, quando o Governo tem nas suas mãos todos os mecanismos e instrumentos de influenciar uma decisão que sirva o interesse do país e contemple os interesses da ilha de S. Vicente, em particular.
Estamos perante uma decisão iminentemente política e não do mercado, por mais que se queira idolatrar as virtualidades e a perfeição do mercado na regulação da vida das pessoas.
Senhores Deputados,
Se decidir sobre a conectividade das ilhas deixou de ser uma decisão política, temos que questionar, então, para que mais serve um Governo nesta República governada pelo mercado.
Esta decisão é ainda mais questionável quando se sabe, pelos dados colocados em cima da mesma, que o argumento da sustentabilidade financeira é insustentável e facilmente desmontável pelas estatísticas, que ilustram a dinâmica da circulação de passageiros nas viagens internacionais nos últimos anos.
Estamos, ainda, a tempo de arrepiar o caminho de, mais uma vez, corrigir o erro e tomar a decisão mais acertada que sirva os interesses do país e acautele os interesses das ilhas.
E, como notícia ruim atrai outras más, para ilustrar o desnorte a que o país está a ser submetido, antes de digerirmos esta infeliz declaração do Primeiro-Ministro, chega-nos a triste notícia da ruptura do abastecimento do mercado em jet fuel ou jet A1 para a prestação de serviços às aeronaves que aportam o Aeroporto internacional Amílcar Cabral para reabastecimento.
Por mais voltas que se dê, não se pode escamotear um erro gravíssimo no controle e na gestão da reposição deste tipo de combustível importante para um negócio com grande retorno para a economia nacional.
Não podemos perder de vista que Cabo Verde é um Pais com grande vocação para uma economia de prestação de serviços onde o abastecimento às embarcações e às aeronaves se destacam como muito importantes, desde tempos recuados.
A desculpa de que houve mais procura é, no mínimo, esfarrapada e até roça o ridículo, quando se sabe, que Cabo Verde, para além do stock estratégico, deveria ter o stock de reserva para garantir o regular abastecimento, a todos que nos solicitam este serviços sob pena de se pôr em causa este negócio e de se perder terreno em favor dos nossos concorrentes mais diretos.
O descaso que nos conduziu à situação de falta de combustível belisca, claramente, a ambição de construção de um HUB aéreo no Sal, situação que nos exigiria cuidados aprimorados e responsabilidades acrescidas para potencializar um negócio onde também existem outros players na região, com igual ambição.
Esta ambição é claramente incompatível com desleixos ou ligeirezas que nos conduzem à situação de ruptura, tal qual o que país viveu nos últimos dias, que levou as autoridades do sector a desviar vários voos das nossas rotas de abastecimento o que descredibiliza diretamente o país e mexe coma imagem de um aeroporto que sempre esteve à altura dos desafios, mesmo no passado.
Pensar que este desleixo não provoca danos à imagem do nosso principal aeroporto, o Aeroporto Amílcar Cabral, localizado no Sal é tão irresponsável, ou ainda pior que o próprio incidente de ter deixado a situação atingir este ponto crítico.
Não se pode perder de vista que uma cadeia de negócios foi prejudicada alastrando o prejuízo que partiu das petrolíferas nacionais, para o próprio Estado que deixou de arrecadar impostos, atingindo a própria ASA, que perdeu em taxas e outros serviços e provocou transtornos aos serviços de catering e de handling.
A própria ASA incumpriu o seu papel ao não ter emitido nenhum NOTAM pela (Notice To Airmen) como mandam as normas com consequências também para a credibilidade desta instituição que teve de receber aeronaves que não chegaram a ser abastecidos.
(Exemplo de um avião Iliushin IL76 registo URCIV-OLIEG que aterrou no AIAC sem poder ser abastecido, obrigando a tripulação a aguarda num hotel da ilha.)
À semelhança de outros casos, o Governo tentou impor um apagão de informações tentando deixar a opinião pública à leste destes acontecimentos e colocando mal a própria Agência da Aviação Civil (reguladora da aviação civil) que só muito tardiamente tomou conhecimento do sucedido, ficando, praticamente com pouca margem para agir, pelo que se desconhecem as diligências por ela promovida.
O Grupo Parlamentar do PAICV espera que um inquérito seja levado a cabo para o cabal esclarecimento do acontecido, para se apurar as responsabilidades e se tirar as consequências para que situações desta natureza não voltem a repetir-se.
Praia, 12 de dezembro de 2018
Rui Semedo- Líder Parlamentar do PAICV