O Governo abdicou, de livre e espontânea vontade, e sem que ninguém lhe tivesse pedido, de mais de 20 milhões de euros com a isenção de vistos a turistas da União Europeia e do Reino Unido.
Tomou essa medida sem fazer as contas, sem calcular os impactos e esquecendo-se que, ainda, tem um país que precisa de recursos para continuar o seu processo de desenvolvimento.
Agora, feitas as contas, calculados os impactos e reconhecido o erro, o Governo decide pelo caminho mais fácil:
a) “Lava as suas mãos” do erro que cometeu e transfere para os passageiros a responsabilidade de garantir a recuperação desses 20 milhões de euros;
b) Aproveita para, nessa medida, aumentar as suas receitas de forma exponencial.
AS CONTRADIÇÕES DO GOVERNO
O Governo tem demonstrado, nestes quase três anos, que toma medidas e decisões com impactos na vida de todos os cabo-verdianos, sem fazer estudos, sem preparar os impactos e sem fazer as contas.
E essa medida de isenção de vistos a turistas da União Europeia e do Reino Unido, demonstra isso mesmo! Demonstra que o Governo anuncia, para depois fazer as contas. E quando faz as contas, começa a fazer zigue-zagues, pondo em causa o próprio país.
Vejam-se as contradições deste Governo neste caso:
1. A primeira promessa de isenção de visto surgiu, ainda, em 2016, aquando da primeira visita do Primeiro-Ministro a um dos países da União Europeia (e o compromisso era de ser imediatamente);
2. A decisão foi se deslizando para 2017 (sem ninguém compreender quais eram as razões do atraso), até o Governo entender que a questão ultrapassava as suas competências e decidiu submeter uma iniciativa legislativa ao Parlamento, com forte contestação social;
3. Depois disso, o Governo se comprometeu a implementar essa isenção de vistos a partir de 1 de Janeiro de 2018, e não previu nem sequer 1$ relativo a esses vistos, no Orçamento de Estado para 2018;
4. Entretanto, o mesmo Governo, que previu a isenção a partir de 1 de Janeiro de 2018, continua a cobrar esses vistos. Portanto, esse dinheiro continua a “entrar”, sem cobertura legal, sem previsão orçamental, e sem que ninguém saiba como está a ser utilizado esse dinheiro.
5. Hoje, em Agosto de 2018, esse mesmo Governo já arrecadou milhares de contos com esses vistos – que estão isentos desde 1 de Janeiro – cobrando, de forma ilegal e utilizando de forma intransparente esses recursos, sem dar “cavaco” aos cabo-verdianos.
6. Antes, o Governo tinha assumido que o montante que se perdia com a isenção de vistos era irrelevante (e que seria compensada com o aumento de fluxo de turistas).
7. Agora, depois de fazer as contas, e através da alteração da Taxa de Segurança Aeroportuária, o Governo coloca sobre a mesa uma espécie de “imposto camuflado”, levando todos a pagar mais, por ter decidido isentar do pagamento de vistos os cidadãos da União Europeia e do Reino Unido;
8. Essa medida vai, claramente, afetar o sector da aviação civil, os passageiros nacionais, e os passageiros dos outros destinos que não beneficiam de isenção de vistos (como os dos Estados Unidos da América, da Ásia ou da África), tudo para compensar uma medida imponderada, mal-calculada e cujos resultados são de impacto incerto;
A MEDIDA MAL PONDERADA
Como todos sabem o Governo decidiu avançar com a isenção de vistos de forma precipitada, sem garantir reciprocidade.
Deste modo, prescindiu de receber 25 euros por cada turista, num montante que ultrapassa os 20 milhões de euros, por ano.
Depois de muitas “voltas”, desde 2016, sem saber como implementar esta medida e sem saber o que fazer para recuperar essas receitas, o Governo decidiu alterar a Lei 66/VIII/2014, de 17 de Julho, que define o regime jurídico de entrada, permanência, saída e a expulsão de estrangeiros.
Isso para acomodar a perda de receitas provocada pela isenção de vistos.
Convém lembrar que o PAICV sempre defendeu a isenção de vistos num quadro de reciprocidade, como aconteceu antes com Moçambique, e como veio a acontecer com a Angola, com ganhos e benefícios para todos.
O PAICV também apoia a adoção de medidas de facilitação do acesso ao território, de forma ponderada, segura e o mais consensual possível, uma vez que, geralmente, são tendencialmente medidas irreversíveis, que não podem andar ao sabor dos caprichos dos governos circunstanciais.
Isso, porque somos um país que precisa atrair fluxos externos para equilibrar a balança de pagamentos e dinamizar a economia, sem prejuízo de utilizarmos toda a nossa capacidade diplomática para alcançarmos acordos de mobilidade mais consentâneos com as características de Cabo Verde.
Mas, o modo como as decisões têm sido tomadas em Cabo Verde, nos últimos tempos, demonstram a forma de actuar do Governo liderado por Ulisses Correia e Silva!
Uma actuação de forma desarticulada, sem ponderação, sem análise e sem avaliação dos impactos. E as consequências estão, agora, claras!
E quando descobre que erra, o Governo transfere os custos para os cabo-verdianos, penalizando, também, o País.
Ou seja: isenta de pagamento alguns turistas estrangeiros e, para compensar, põe os cabo-verdianos a pagar.
Veja-se:
Uma medida que, antes, era para aumentar o fluxo turístico, se transformou numa medida que põe em causa a competitividade do destino Cabo Verde, pois aumenta a taxa para todos (estrangeiros e nacionais).
Para os cidadãos cabo-verdianos, em geral, a taxa aumentou!
E para os turistas que não sejam da União Europeia e do Reino Unido (como por exemplo, dos EUA, América do Sul, da Ásia, do Médio Oriente e, sobretudo, a Comunidade Africana), para além de pagaram uma taxa mais elevada, ainda pagam o visto.
Estes além de pagarem a taxa do visto, passam a pagar mais 3400$00 da TSA.
E os turistas que deveriam beneficiar com a isenção de vistos, passam a pagar mais caro através da TSA.
Ora:
As Taxas de Segurança Aeroportuária (TSA) são para financiar a segurança da aviação civil e nunca para financiar opções de política alheias à própria segurança.
Existem para moderar os custos do sistema aeroportuário com a segurança da aviação civil, implicando a polícia nacional, também, lá onde for ela a prestar o serviço, e suporta os custos, como é o caso do screening e de alguns serviços de fronteira que visam claramente a segurança do voo e a prevenção de atos ilícitos contra a indústria da aviação civil.
Ora, as TSA em todo o mundo são diferenciadas em Passageiro de um Voo Internacional e Passageiro Doméstico, precisamente porque a TAXA visa garantir a segurança do VOO.
No nosso caso, depois de se isentar os turistas da União Europeia e do Reino Unido – com perda de 25 euros por turista, à ordem de 20 milhões de euros – decide-se “recuperar” essas receitas.
Como?
Cobrando aos passageiros em voos nacionais, que viram a taxa aumentar;
Cobrando aos Turistas de Países não isentos que, para além do visto, passam a pagar mais pela TSA;
Cobrando aos Emigrantes cabo-verdianos que queiram visitar o País, e caso não estejam na posse do seu passaporte cabo-verdiano, terão de pagar o mesmo que qualquer passageiro estrangeiro em voos internacionais.
O certo é que o Governo pretende, com a taxa de segurança aeroportuária, recuperar receitas que, de livre vontade, prescindiu!
O certo é que o Governo pretende, com esta taxa, suportar custos que nada têm a ver com serviços prestados á aviação e aos passageiros (prova disso é que se estabelece que uma das componentes da TSA constitui “contra-partida dos encargos tidos …pelo tesouro público, com os equipamentos e soluções, referidos no nº 2, do artigo 53º-C”)!
E o certo é que o Governo de Cabo Verde prefere onerar cabo-verdianos, antes de cobrar vistos a turistas de alguns países!
Com esta medida o Governo está a “descobrir um Santo” para cobrir o outro!
E quem está a ficar descoberto são os cidadãos cabo-verdianos.
O caminho escolhido é o menos lógico e abre um grave precedente: o Governo taxa a Indústria da Aviação Civil, para fazer face a custos que nada têm a ver com serviços prestados à aviação e aos passageiros!
A PROPOSTA DO PAICV
O PAICV entende que, ao invés desta medida de isenção de vistos imponderada e mal calculada, o Governo deveria dar continuidade à discussão do Acordo Multilateral de Céu Aberto, que é fundamental para viabilizar o aumento do turismo proveniente desse espaço (muito mais que uma simples isenção de vistos).
Vale recordar que o Governo do PAICV realizou, sobre essa matéria, uma Conferência em 2012, e elaborou um TdR que foi submetido à União Europeia, em 2014.
Na sequência, foi realizado um estudo sobre o impacto económico das liberdades aéreas para que se pudesse suportar melhor o que seria um exigente diálogo diplomático e económico.
Esta questão foi também colocada, pela então Ministra das Infraestruturas e Transportes, Sara Lopes, na 38º Assembleia-Geral da ICAO, acolhendo uma reacção muito positiva.
Ou seja, a questão foi colocada e deveria ser continuada, pois o alcance de um Acordo Multilateral de Céu Aberto com a União Europeia seria, de longe, superior aos envelopes financeiros, regularmente atribúido.
Cidade da Praia, aos 22 dias de Agosto de 2018
O Secretário-Geral - Julião Correia Varela